Apple perde processo e Fortnite voltará ao iPhone
Apple fica impedida de cobrar por microtransações por fora da App Store; Epic Games quer que retorno de Fortnite ao iPhone seja global Apple perde processo e Fortnite voltará ao iPhone

A briga entre a Apple e a Epic Games continua, e a maçã perdeu em mais uma frente. Em uma nova decisão da Corte Distrital da Califórnia, que cuida desde 2020 do processo movido pelo estúdio de Fortnite, a gigante de Cupertino foi declarada culpada de violar uma injunção de 2021, que a obrigava a permitir que desenvolvedores pudessem usar métodos alternativos de cobrança em seus apps no iPhone, iPad, e Mac.
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Como resultado, a companhia fica impedida de cobrar comissões por vendas alternativas, o que a Epic Games entende como caminho aberto para que o Battle Royale, banido de seus gadgets desde 2020, volte a ser distribuído de forma oficial no iOS, iPadOS, e macOS. A decisão só vale para os EUA, e para resolver esse problema, Tim Sweeney está disposto a negociar com Tim Cook, para que a decisão valha em todo o mundo.

A vitória da Epic Games sobre a Apple nos tribunais foi... completa (Crédito: Divulgação/Epic Games/Lucasfilm/Disney)
Apple não pode cobrar comissão por vendas fora da App Store
Senta que lá vem a história:
Em agosto de 2020, a Epic Games implementou, em ambas versões móveis de Fortnite (iGadgets e Android), um novo método de venda dos V-Bucks, a moeda premium do game, que contornava ambas lojas oficiais, App Store e Play Store. O objetivo, não mais pagar as taxas de comissão de 30% a Apple e Google sobre microtransações, e embolsar toda a grana.
Ambas companhias baniram Fortnite de suas lojas móveis, e o game deixou posteriormente de funcionar no iPhone, iPad e Mac, quando a Apple revogou a licença de desenvolvedor da Epic Games, impedindo-a de atualizá-lo para quem já o tinha instalado. Imediatamente após a descida do banhammer, a Epic abriu processos contra Apple e Google, acusando a maçã de monopólio e a gigante das buscas de concorrência desleal.
Focando na briga com a maçã, a Epic alegava que o design do Jardim Murado da empresa lhe permite controlar todos os aspectos de desenvolvimento, distribuição, e operação de apps e games em suas plataformas, o que prejudica a inovação. Ao mesmo tempo, a desenvolvedora julga que Fortnite deve ter lugar cativo no iOS, mas sem ser obrigada a pagar um tostão de comissões, sendo permitida a operar métodos de compra alheios à App Store, o que inclui alertar os jogadores de que eles podem comprar V-Bucks diretamente no site do game.
A Apple, por sua vez, defende de forma ferrenha a cobrança de comissões, mesmo se devs optem por métodos de cobrança alternativos, o que ela foi obrigada judicialmente a permitir; isso está inclusive lhe dando uma dor de cabeça na União Europeia (UE), onde ela não só será obrigada a cumprir a DMA (Lei de Mercados Digitais), como terá que pagar uma multa de 500 € milhões (~R$ 3,21 bilhões, cotação de 01/05/2025) por violar a lei.
Nos EUA, o caso da Epic contra a Apple foi conduzido pela juíza distrital Yvonne Gonzalez Rogers, que não era dada a ouvir conversa mole de nenhum dos lados, ela não aceitou a desculpa da Apple para proibir devs de alertarem consumidores de que eles podem comprar itens por fora da App Store, e estendeu o entendimento a todos os apps e games da lojinha.
Contra a Epic Games, Rogers rejeitou a petição de forçar o retorno de Fortnite ao iPhone antes da conclusão do processo, quando Tim Sweeney, CEO e sócio majoritário da desenvolvedora, se recusou a devolver a grana arrecadada com o "patch clandestino", contrariando declaração anterior de que estava "primariamente preocupada com o bem-estar dos jogadores", sem contar que ela, como todo mundo, entendeu que tudo foi osquestrado pela Epic de antemão.
Ela citou tanto o curta Nineteen Eigthy-Fortnite, uma paródia do antológico comercial do Macintosh original dirigido por Ridley Scott, este baseado no livro 1984, de George Orwell, que subiu para o YouTube imediatamente após o game ser banido, além de toda a papelada já estar pronta, e foi apresentada à corte, também no mesmo dia.
Não obstante, a campanha #FreeFortnite e a skin Magnata Amargo, zoando Tim Cook, também foram incluídas no balaio de premeditação por parte da Epic.
Apesar dos pesares, a balança continuou pendendo a favor da Epic e contra a Apple, que continuou se recusando veementemente a abrir mão de comissões; ao invés disso, a empresa apresentou planos de cobrança reduzidos, nos EUA e na UE, onde ela exigia a submissão de documentos para auditá-los, e calcular ela mesma quanto cobrar; quem se recusasse, seria impedido de usar cobranças alternativas.
No caso, a nova comissão sobre vendas externas seria de 27%, cobrada de todos os devs que não fazem parte de seu programa voltado a pequenas empresas (estes pagariam 12%), só que a juíza Rogers entendeu que a Apple estava tentado fazê-la de idiota, e a regra é clara: NUNCA tente fazer um juiz de idiota.
A magistrada lembrou que operadoras financeiras normalmente cobram 3% sobre compras, a redução na taxa sobre vendas alternativas era um repasse de despesa aos devs, que continuariam tendo que pagar 30% sobre tudo o que venderem, dentro ou fora da App Store. Além disso, ela se irritou com as manobras dos advogados de Cupertino, que estariam se reservando no direito de entender as leis dos Estados Unidos da maneira que achassem melhor, ou seja, que beneficiassem a companhia.
Como se não bastasse, a gigante tentou enrolar a corte quando obrigada a apresentar todos os milhares de documentos que envolvem tomadas internas de decisão, pedindo mais prazo faltando apenas 4 dias para a data limite, o que foi negado, e teve a audácia de alegar em sua defesa que "não sabe" quais são as margens de lucro da App Store, o que foi impiedosamente ironizado por Mark Gurman, jornalista da Bloomberg que acompanha o caso desde o início.
Agora saiu a decisão (cuidado, PDF), e como esperado, a juíza Rogers considerou todas as tentativas da Apple de enrolar o sistema, e declarou que a companhia não só violou a injunção que a obrigava a não impedir devs de usarem métodos cobranças alternativas, e não cobrar nada em cima deles, como agiu de má-fé, incluindo acusar o VP de Finanças Alex Roman de perjúrio (mentir sob juramento), os documentos mostraram que a Apple sabia exatamente o que estava fazendo, e todas as suas decisões foram "as mais anticompetitivas possíveis".
E continua:
O fato de a Apple pensar que este Tribunal toleraria tamanha insubordinação foi um erro de cálculo grosseiro. Como de costume, tentar acobertar o ato só piorou a situação.
Para este Tribunal, não haverá uma segunda chance.
Por fim, Rogers disse que Tim Cook "tomou uma decisão ruim" ao se recusar a cumprir uma ordem judicial, em nome do lucro e da tentativa de torcer as leis dos EUA a seu favor.
A decisão é clara, a Apple fica proibida de cobrar sobre transações externas; a companhia já declarou que vai cumprir a ordem, mas pretende recorrer de modo a reverter a situação.
Tim Sweeney quer retorno global de Fortnite
Com a situação das cobranças resolvida, a Epic deverá submeter uma nova versão de Fortnite na primeira semana de maio de 2025, porém, a decisão da juíza Rogers só diz respeito aos EUA; a Apple não tem nenhuma obrigação de implementar o retorno do game, ou de seguir as determinações da Corte Distrital da Califórnia, no resto do mundo.
Exatamente por isso, a Apple enfrenta processos separados da Epic Games na UE e em outros territórios; no Brasil, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1.ª região (TRF-1) obriga a maçã a permitir o sideloading sem cobranças, ao que a desenvolvedora poderá oferecer sua loja móvel, com Fortnite e outros games; ela afirma que o game voltará ao iPhone no território brasileiro em julho de 2025.

A Apple de Tim Cook vai recorrer da decisão, não é obrigada a reinstaurar Fortnite em todo o mundo, e nem a aceitar proposta de Tim Sweeney (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
A Apple deverá reinstaurar Fortnite no iPhone, mas apenas nos EUA, no que a Epic Games deverá ainda seguir algumas regras da App Store; a maçã só fica impedida, enquanto recorre da decisão, de cobrar por transações externas e nada além disso, ela sequer é obrigada judicialmente a permitir o retorno do game em suas plataformas. Ao mesmo tempo, barrar o game por barrar, sem dar explicações, dá à Epic Games o direito de abrir novos processos.
No X, Tim Sweeney declarou que é "game over" para as taxas da maçã, e que o game voltará ao iPhone já na próxima semana, o que pode não acontecer; por outro lado, o executivo disse que está disposto a negociar com Tim Cook, com uma oferta que, na cabeça dele, seria irrecusável: se a Apple permitir que Fortnite volte ao iPhone, iPad e Mac em todo o mundo, não apenas nos EUA, a Epic Games deverá retirar todas as ações judiciais pendentes, e não abrir novas que envolvam disputas por cobranças.
O grande problema para a Epic Games, a Apple não tem nenhum motivo para fazê-lo. Cada corte pode e deve tomar decisões divergentes, e a maçã tem muito mais dinheiro à disposição para manter os processos correndo, e recorrer quantas vezes forem necessárias. A desenvolvedora da Fortnite, embora bem-sucedida, é uma companhia privada avaliada em US$ 32 bilhões (~R$ 181,62 bilhões), cerca de 1% dos US$ 3,19 trilhões (~R$ 18,11 trilhões) do valor de mercado da gigante de Cupertino.
O embate entre Apple e Epic Games deverá se estender por mais tempo, enquanto a maçã continuar brigando para defender seu entendimento de que não fez nada de errado, e de que tem todo o direito de cobrar comissões sobre quaisquer operações financeiras de apps e games em seus produtos, passem elas pela App Store ou não.
Fonte: Ars Technica