Gravidez na era viking: novo estudo revela poder, política e desigualdade social ocultos

Um estudo inédito revela que, para além dos estereótipos sobre guerreiros barbudos e exploradores destemidos, a sociedade viking tinha uma complexa relação com a gravidez, transformando o corpo feminino em um espaço de poder, resistência e desigualdade social. Pesquisadoras das universidades de Leicester e Nottingham descobriram que, longe de ser apenas um evento biológico ou […]

Mai 14, 2025 - 23:34
 0
Gravidez na era viking: novo estudo revela poder, política e desigualdade social ocultos

Um estudo inédito revela que, para além dos estereótipos sobre guerreiros barbudos e exploradores destemidos, a sociedade viking tinha uma complexa relação com a gravidez, transformando o corpo feminino em um espaço de poder, resistência e desigualdade social.

Pesquisadoras das universidades de Leicester e Nottingham descobriram que, longe de ser apenas um evento biológico ou doméstico, a gravidez na Era Viking (entre os séculos VIII e XI) era profundamente politizada e carregada de significados sociais que ultrapassavam a esfera privada.

Grávidas guerreiras nas sagas nórdicas

O estudo, publicado no Cambridge Archaeological Journal, examinou fontes diversas, incluindo sagas medievais onde mulheres grávidas assumiam papéis surpreendentemente ativos. Na Saga do Povo de Laxardal, quando Guðrún Ósvífrsdóttir, grávida, é confrontada pelo assassino de seu marido e manchada com uma lança ensanguentada, o assassino profetiza que “a morte dele já está crescendo em seu ventre” – profecia que se cumpre quando a criança cresce para vingar o pai.

Ainda mais impressionante é o relato de Freydís Eiríksdóttir que, incapaz de fugir de um ataque devido à gravidez, expõe o próprio seio e o golpeia com uma espada para assustar seus inimigos. Segundo a Dra. Katherine Marie Olley, coautora do estudo, esse gesto desafiador encontra paralelo arqueológico em uma estatueta de prata descoberta em Aska, na Suécia – um raro objeto que retrata uma mulher visivelmente grávida usando o que parece ser um capacete de guerra.

Estatueta de Aska. Imagem: Ola Myrin, Historiska Museet (CC BY 4.0)
Estatueta de Aska. Imagem: Ola Myrin, Historiska Museet (CC BY 4.0)

“Essa estatueta contradiz completamente a ideia de uma maternidade passiva ou domesticada”, explica a pesquisadora. “Em vez disso, sugere que o corpo grávido tinha um poder simbólico visível e potente, entrelaçado com noções de violência, identidade e resistência.”

A desigualdade social refletida nos enterramentos

Mas a pesquisa vai além dos relatos literários. A arqueologia revela outra face da maternidade viking através dos padrões funerários. Entre milhares de sepulturas analisadas da Era Viking, apenas 14 continham mães e bebês enterrados juntos – um número surpreendentemente baixo considerando as altas taxas de mortalidade materna e infantil da época.

“Mães e bebês não eram enterrados juntos rotineiramente”, observa a Dra. Marianne Hem Eriksen, que liderou o estudo. “Muitos bebês parecem não ter recebido enterros que atendam aos padrões aplicados aos adultos.”

Em vez disso, restos mortais de bebês foram encontrados em contextos incomuns: sepultados com homens adultos, mulheres idosas ou até mesmo dentro de residências domésticas – práticas que sugerem uma complexa relação entre nascimento, morte e status social.

Gravidez e escravidão: corpos como propriedade

O estudo também revela como a gravidez estava entrelaçada com sistemas de poder e dominação. Documentos legais vikings mostram que a gravidez de mulheres escravizadas era considerada um “defeito” em transações comerciais, enquanto os bebês nascidos de mulheres escravizadas ou subordinadas eram tratados como propriedade.

Essa desumanização evidencia quão vulnerável era o corpo grávido, não apenas biologicamente, mas socialmente. As pesquisadoras argumentam que esse apagamento histórico tem um paralelo na própria arqueologia, que frequentemente ignora experiências reprodutivas por considerá-las meramente “biológicas” ou “privadas”.

“A política não acontece apenas em campos de batalha ou por meio da formação do Estado”, escrevem as autoras. “Explorar a política do corpo na gravidez pode fornecer insights sobre ideias de parentesco, sexualidade, gênero, pessoalidade e desigualdade.”

O estudo representa um pioneiro olhar interdisciplinar sobre um tema amplamente negligenciado e incentiva acadêmicos a reconsiderar como corpos marginalizados foram excluídos não apenas dos sepultamentos, mas também das narrativas científicas sobre o passado.