NASA: cortes no orçamento ameaçam projetos científicos
Governo dos EUA limita orçamento científico da NASA a US$ 3,9 bilhões; Telescópio Espacial Nancy Grace Roman pode ser cancelado NASA: cortes no orçamento ameaçam projetos científicos

As coisas não andam nada tranquilas nas paragens da NASA. A agência aeroespacial dos Estados Unidos está sujeita, como as demais, a uma completa revisão de procedimentos, gastos e contratações, após funcionários do DOGE (Departamento de Eficiência Governamental) assumirem funções críticas, encerrarem programas, e esforços por maior diversidade, como ordenado pelo presidente Donald Trump.
Alheio a isso, há o problema do orçamento. A Casa Branca pretende reduzir o budget total em 20%, ceifando pelo menos US$ 5 bilhões dos atuais US$ 25 bilhões, porém, a maioria dos cortes será direcionado ao departamento científico, que deverá ver a verba disponível encolher de US$ 7,5 bilhões, para míseros US$ 3,9 bilhões.

NASA vai ter que apertar o cinto: corte geral de 20% vai afetar principalmente o departamento científico, que perderá US$ 3,6 bilhões (Crédito: NASA)
NASA passando a sacolinha?
Os cortes do governo de Donald Trump, que já demonstrou não estar nem aí com pesquisa científica, tem sido violentos, e estão deixando um rastro de penúria por onde o facão passa. A NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional), o departamento responsável por monitorar o clima e mapear os oceanos, por exemplo, perdeu quase todos os contratos prestação de serviços, que o Departamento de Comércio deixou vencer, e não renovou.
Entre os serviços perdidos, estão manutenção básica das instalações, TI, e... limpeza. O NOAA simplesmente não tem faxineiros, e os cientistas estão tendo que, além de limpar banheiros, reduzir o escopo com experimentos, que usam materiais perigosos, pois não há quem possa recolher o lixo contaminante da maneira adequada.
As universidades não estão muito diferentes. Donald Trump está usando a verba federal como refém, de modo a forçar as reitorias a capitularem sob as novas regras, para variar, dar cabo de todos os programas de DEI (Diversidade, Equidade, e Inclusão), que vai desde contratação do corpo docente e funcionários, à admissão de alunos, algo similar ao programa de cotas brasileiro.
Dados de todos, de professores e reitores a empregados e universitários, deverão ser submetidos ao governo para serem auditados, e um novo modelo de "diversidade sob ponto-de vista", que ninguém explica como funciona, deverá ser implementado por todas as universidades. Quem se recusar, não terá verba.
Outras medidas incluem o banimento de máscaras, proibição e corte de financiamento de todos os movimentos estudantis antissemitas, que inclui notificação de todos os alunos envolvidos (em caso de bolsista estrangeiro, será deportado), e verificação de todos os artigos publicados por contratados em busca de plágio, o que custou a Claudine Gay seu emprego como reitora de Harvard; aqui, o objetivo é pegar outros detratores do governo.
Até o momento, a Universidade de Columbia capitulou (e foi duramente criticada por isso), enquanto Harvard decidiu lutar até o fim; como resposta, Trump congelou US$ 2,2 bilhões (~R$ 12,88 bilhões, cotação de 15/04/2024) em verbas de pesquisa, e ameaçou cortar ainda mais, de modo a deixar a instituição sem um dólar sequer para fazer Ciência.
A NASA também não escapou. A agência está sendo forçada a abandonar seus esforços de DEI, e vem sendo indiretamente administrada por funcionários-sênior da SpaceX, que foram atochados em seus números com autorização de Janet E. Petro, a administradora interina.
Jared Isaacman, que ainda deve ser confirmado no cargo pelo Senado, disse que os EUA devem buscar missões rumo a Lua e Marte simultaneamente, mas se ordenado por Trump, ele vai priorizar o planeta vermelho, do jeito que Elon Musk, dono da SpaceX e para muitos, o administrador de facto da NASA, quer.

Na onda de cortes, Telescópio Espacial Nancy Grace Roman pode ser cancelado (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
E claro, há o inevitável corte no orçamento. A NASA recebeu US$ 25 bilhões (~R$ 146,38 bilhões) para o atual ano fiscal, mas a ideia da Casa Branca é tesourar pelo menos 20% desse montante para o próximo, cortando US$ 5 bilhões (~R$ 29,28 bilhões). O problema, boa parte da redução da verba deverá ser concentrada, de acordo com documentos oficiais, nos programas científicos da agência.
O atual budget dedicado à Ciência é de US$ 7,3 bilhões (~R$ 42,74 bilhões), a proposta para o próximo ano fiscal é reduzir o orçamento em 52%, e liberar apenas US$ 3,9 bilhões (~R$ 22,84 bilhões). A verba foi detalhada da seguinte forma:
- Astrofísica: US$ 487 milhões (~R$ 2,85 bilhões, redução de 2/3 no orçamento);
- Heliofísica: US$ 455 milhões (~R$ 2,66 bilhões, −50%);
- Ciência terrestre: US$ 1,033 bilhão (~R$ 6,05 bilhões, redução de mais da metade);
- Ciência planetária: US$ 1,929 bilhão (~R$ 11,29 bilhões, −30%).
Nessa toada, os documentos também mencionam que nenhuma verba deverá ser alocada a projetos de futuros telescópios espaciais, o suporte será restrito ao Hubble (que deverá reentrar na atmosfera em 2035, algo agora considerado inevitável), e ao James Webb (JWST). Estes deveriam receber o reforço de uma terceira estação, o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, que usaria infravermelho para detectar exoplanetas através do efeito de microlente gravitacional.
Segundo os documentos, os cortes levarão ao cancelamento do projeto, embora haja uma pequena, mas não completamente descartada, possibilidade de estarem implicando com o nome proposto para homenagear a "mãe do Hubble", que faleceu no dia de Natal de 2018, afinal, Trump vê DEI em tudo.
Outros projetos que deverão ser cancelados são o Mars Sample Return e a missão DAVINCI+, com ambas tendo toda a verba cortada; a VERITAS, outra destinada a Vênus, já havia sido adiada para 2031, mas ainda pode rodar.
Outra consequência dos cortes e reestruturação seria forçar o fechamento do Centro Goddard de Voos Espaciais, responsável por lançamentos e controle do Hubble e do JWST, além de outras missões. Ele atualmente emprega 10 mil funcionários, aonde todos iriam para a rua sem cerimônia.

Cortes visariam forçar o fechamento do Centro Goddard, que controla missões do Hubble e James Webb (Crédito: Bill Hrybyk/NASA Goddard Space Flight Center)
O objetivo, obviamente, é reduzir ao mínimo necessário os gastos governamentais com Ciência, o suficiente para manter o que Donald Trump visa como prioridade, colocar americanos no Espaço mais uma vez. O presidente desejava que a agência focasse tanto na Lua quanto em Marte, mas com Elon Musk buzinando no seu ouvido, há indícios de que o planeta vermelho seja priorizado, o que Jared Isaacman deu a entender que será o caso; nada mais importa, nem mesmo a Estação Espacial Internacional.
Quem define o orçamento da NASA é o Congresso, a Casa Branca deverá apresentar a proposta, mas são os legisladores quem definem se ela passará. Muitos ali não veem com bons olhos a sanha de cortar investimentos no Espaço, não pela Ciência em si, mas porque menos verba significa menos empregos em seus estados e currais eleitorais.
Ted Cruz, senador republicano pelo Texas, por exemplo, ficou possesso com declarações recentes de Musk de que a ISS, gerenciada por seu estado, deveria ser derrubada "o mais rápido possível" em prol de focar em Marte. É bem possível que haverá atritos tanto no Senado quanto na Câmara dos Representantes, políticos querendo proteger seu lado não é novidade, logo, resta esperar como toda a situação deverá se desenrolar.
O que se sabe, é que caso a redução de 52% no orçamento científico da NASA seja aprovada, a agência não terá verba para viabilizar novos projetos, e mesmo manter os atuais funcionando será complicado. George Whitesides, representante republicano da Califórnia, disse ao site Ars Technica que a iniciativa de Trump "dizimará a liderança dos EUA no Espaço", permitindo principalmente a chinesa CNSA a tomar a dianteira no desenvolvimento científico, sem falar em danos generalizados aos vários centros da NASA, que terão que operar com muito menos grana.
Já sobre o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman, se o problema é o nome, eu sugiro rebatizá-lo como Wernher von Braun, engenheiro aeroespacial e diretor do Centro Espacial Marshall que projetou o foguete Saturn V, usado pelo Programa Apollo.
Seu passado? Ah, só um detalhe...
Fonte: The Washington Post