Trump estimula Europa a investir em nuvem própria
"Tarifaço" de Donald Trump estimula governos e empresas da Europa a adotarem soluções locais de armazenamento na nuvem Trump estimula Europa a investir em nuvem própria

O "tarifaço" de Donald Trump sobre importações para os Estados Unidos já está gerando as consequências esperadas, como aumento de preços de produtos e serviços localizados, e crescimento de sentimentos protecionistas.
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A Europa, por exemplo, está se mexendo para não mais depender de serviços de nuvem das três maiores companhias do setor, Google, Amazon, e Microsoft.

Europa está se mexendo para não depender de serviços de nuvem de empresas dos EUA (Crédito: Reprodução/acervo internet)
Trump faz Europa se mexer
Não é de hoje que a União Europeia (UE) está com empresas de fora atravessadas na garganta, principalmente as norte-americanas. O bloco apresentou, ao longo dos anos, vários planos para fomentar a soberania local em semicondutores, foguetes, e satélites de internet, embora nesses dois últimos casos, não consiga competir de igual para igual com a SpaceX. Mas ao menos estão se mexendo.
O alvo agora são os serviços de armazenamento e computação na nuvem, setor hoje dominado por Amazon Web Services (AWS), Microsoft Azure, e Google Cloud Plataform (GCP); as três juntas respondem, hoje, por mais da metade do mercado europeu, e não são raras as acusações de que estas competem de forma ilegal. A Microsoft, por exemplo, vem sendo monitorada de perto na Alemanha.
Há uma série de companhias locais que oferecem serviços de nuvem, algumas não são exatamente pequenas, como UpCloud (Finlândia), Exoscale (Suíça), IONOS (Alemanha), e as francesas Scaleway, que fornece infraestrutura para a companhia de IA Mistral AI, e OVHcloud, a maior do continente. No entanto, nenhuma delas consegue competir de igual para igual com a "tríade" americana, que oferece melhores serviços e preços menores escorados em seu poder econômico, novamente, a metáfora do gorila de 800 libras.
E então vieram as tarifas recíprocas de Donald Trump, que terão consequências generalizadas em todo o mercado global, em todos os setores. Em vista de custos mais elevados para e exportação de bens e serviços aos Estados Unidos, haverá uma necessidade de países diversificarem seus clientes, o que é sempre arriscado, a América é o maior comprador de tudo o que você imaginar, e poucas nações têm a capacidade de oferecerem as mesmas condições de negócios.
Mesmo tendo escolhido negociar num primeiro momento, a UE entendeu que depender de serviços e produtos externos não é o ideal, e o "tarifaço" só aumentou o sentimento de que o velho continente deve se virar com o que tem. O mercado de nuvem não é exceção.
Em entrevista ao site The Next Web, Mark Boost, CEO da Civo, companhia britânica de serviços na nuvem, "a Europa dependeu da nuvem norte-americana por décadas" (eu diria uma década apenas, mas enfim), que há alternativas locais com as quais empresas e usuários finais podem contar, e que as tarifas recíprocas "cimentaram a ideia de que o continente não pode mais se permitir depender dos EUA para estabelecer sua infraestrutura digital".
Por sua vez, Alexander Samsig, engenheiro de software e sênior da companhia de consultoria finlandesa Funktive, acredita que o ano de 2025 será crucial para que a Europa escolha o melhor serviço de nuvem, "não se baseando em preços ou tecnologia"; ao invés disso, locais deverão estabelecer "uma nuvem europeia soberana, que poderá sustentar um ecossistema definido por competição justa e transparência, em que empresas locais poderão concorrer entre si, e consumidores terão a máxima liberdade qual serviço é o melhor para eles".
Pode parecer uma tarefa complicada e cara, e de fato é, mas é preciso partir de algum lugar. O programa ASCEND, por exemplo, é um estudo ousado para a implementação de datacenters no Espaço, em satélites em órbita LEO alimentados por energia solar, que esbarra no problema de lançamentos com alta cadência e baixo custo, mas de novo, a ideia é não depender de ninguém de fora.
Ao mesmo tempo, a Europa já provou ser capaz de se desvencilhar de soluções externas, quando os países da região param de bater cabeça e se unem em prol de um objetivo comum. O GALILEO (GNSS), sistema de geolocalização e navegação global via satélite, foi uma decisão da UE para não depender do GPS americano, ou qualquer outro sistema semelhante, por um simples motivo: todos, incluindo o Beidou chinês, e o GLONASS russo, são soluções primariamente militares, abertas para empresas e cidadãos depois. Todas elas podem se tornar fechadas a qualquer momento, se as tensões entre as nações aumentarem.
O GALILEO é o único sistema projetado desde o início como totalmente aberto, podendo ser usado por indivíduos e empresas, e em aplicações militares quando necessário, mas que não pode ter seu acesso restrito por questões de Segurança Nacional. Esta, aliás, é uma característica que os EUA detestam desde sempre, e deixaram claro que, em caso dos satélites europeus se tornarem alvos de ações hackers de países inimigos em um cenário de guerra, eles serão derrubados sem cerimônia.

Sistema de geolocalização GALILEO é o único totalmente voltado ao uso civil e comercial (Crédito: Divulgação/ESA)
Para Boost, alocar verbas para empresas europeias (não se restringindo aos 27 países-membros da UE; Suíça e Reino Unido também seriam parceiros) "beneficiará empresas locais, e mandará um recado de que a Europa pode trilhar um caminho diferente dos EUA e da China"
Já Clara Chappaz, ministra de IA e Tecnologias Digitais da França, disse em discurso recente que todo o continente deve "caçar como um único bando", de modo a resistir às "big techs predadoras" dos Estados Unidos, uma extensão da metáfora do presidente Emmanuel Macron de que o Velho Mundo deve "deixar se ser um herbívoro", se quiser resistir aos ataques de Trump à economia local.
Se o GALILEO serve de alguma coisa, é para demonstrar que a Europa tem condições de desenvolver tecnologia própria quando quer; o problema é que estabelecer uma nuvem própria, fortalecendo empresas locais para que atendam usuários e empresas, até absorverem o mercado de Google, Amazon e Microsoft, levará tempo e custará muito dinheiro, mas ainda assim, é melhor do que depender dos outros.
Fonte: The Next Web