Trackmania: um game que adora destruir seus principais modos de jogo

Existem muitas formas de fazer um jogo live service prosperar; a falta de bom senso da desenvolvedora Nadeo, entretanto, mostra-se maior a cada temporada de Trackmania, causando confusão entre jogadores veteranos, dificultando a vida dos iniciantes e, sobretudo, favorecendo em excesso uma elite no game. Neste artigo, irei comentar como as mudanças dos últimos tempos nos modos Ranqueado e Royal deixaram os gamers mais segregados do que nunca na história do jogo.Um respeitável legadoTrackmania é uma série de jogos bastante antiga — originada em 2003 —, embora pouco jogada no Brasil em comparação com outros países. O game se trata de um jogo de corrida arcade extremamente competitivo no qual, de forma geral, o objetivo é sempre ser o piloto mais rápido.Tradicionalmente, os jogos da franquia possuem um modo principal chamado “Campanha”. Nele, os jogadores podem completar sozinhos uma quantidade de corridas feitas pela desenvolvedora e, conforme o tempo obtido nelas, lhes são dados medalhas que remetem às olímpicas. Estas são: bronze, prata, ouro, e a mais difícil de todas, a “medalha do autor”.Com o passar do tempo e os vários lançamentos da franquia, no entanto, Trackmania foi evoluindo para a versão que temos hoje em dia. Além da Campanha, o game possui muitos outros modos de jogo, como Ranqueado e Royal. Em tempos recentes, resultando de escolhas duvidosas da equipe de desenvolvimento do game, ambas as modalidades citadas sofreram gravemente, apesar da resposta negativa de parte da comunidade.Free-for-all de equipesComo todo jogo competitivo, Trackmania também possui um modo ranqueado no qual os fãs do game podem subir os elos para chegar nos ranques mais altos. Nele, dois times de três pilotos competem pela vitória em cinco rodadas de corridas em mapas da Campanha. Conforme a posição dos jogadores, pontos da partida são distribuídos, assim dando a vitória da rodada à equipe que mais conseguir juntá-los. Aludindo às medalhas da Campanha, os possíveis ranques a serem conquistados são: bronze, prata, ouro, mestre e trackmaster.Anteriormente, Ranqueado contava com o seguinte sistema de pontuações: pilotos que ganhassem uma partida recebiam 40, 30 ou 20 pontos que serviam para subir de ranque — uma espécie de PDL, por assim dizer —, dependendo de sua atuação na equipe. Já os jogadores que perdessem, tinham que se contentar com -20, -30 ou -40 pontos, também de acordo com sua performance no time. O piloto que mais contribuísse com pontos no decorrer do jogo inteiro era chamado de “MVP” e recebia +80 ou +40 pontos de ranque dependendo do elo que estivesse, mesmo tendo perdido ou vencido. Dessa forma, equipes precisavam de um real esforço dos membros visando uma possível vitória. Cada ponto conquistado pelo time era importante, portanto, estabelecendo uma competição entre os integrantes mais habilidosos das equipes, assim como entre os que tinham mais dificuldades.O Ranqueado, porém, certamente estava longe de ser um jogo perfeito. Críticas feitas por veteranos do game, habituados a jogar mapas feitos pela comunidade, eram frequentes, embora ficassem geralmente em torno do apelo oferecido pelo modo, que costumava chamar a atenção apenas daqueles que passavam mais tempo jogando a Campanha, onde a experiência adquirida jogando sozinho podia ser posta em prática durante as rodadas.Recentemente, para o desgosto de muitos, a Nadeo decidiu mudar essa fórmula de como os pontos de ranque são distribuídos. Hoje, o jogador que decidir entrar em uma partida de Ranqueado irá se deparar com o seguinte sistema: de acordo com a posição absoluta de cada jogador na partida inteira, independente de quanto contribuiu para a equipe, apesar do resultado — se venceu ou perdeu —, os pilotos receberão em ordem de pontuação na partida +30, +20, +10, -10, -20 e, finalmente, -30 pontos de ranque. Além disso, ganhar ou perder apenas garante míseros +10 ou -10 pontos, dependendo do resultado.Essa brusca mudança no modo encaminha o Ranqueado cada vez mais em uma direção na qual a performance individual dos pilotos é soberana, me deixando em uma situação onde eu quase consigo entender a motivação por trás da Nadeo ao escolher o novo sistema. Apesar disso, sendo bastante franco, existe um único bom resultado que observei nos últimos dias onde testei o modo: é possível ganhar pontos mesmo perdendo uma partida onde a equipe foi de pouca ajuda sem atingir o estado de “MVP”.Além da consequência citada, não consigo ver outras vantagens. O novo Ranqueado conseguiu destruir a relevância de ter um bom time, onde o atual “meta” se tornou, não ironicamente, ir atrás de jogadores piores para completar sua equipe, visto que, caso perca uma partida, ainda poderá obter pontos e não estará em último lugar. Não obstante, por meio do novo sistema, tornou-se possível estar em um time vencedor e perder pontos de ranque, causando um efeito completamente inverso ao esperado em uma corrida na qual a atuação da equipe deveria ser o fator decisivo.Favoráveis ao novo sis

Abr 13, 2025 - 18:57
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Trackmania: um game que adora destruir seus principais modos de jogo

Existem muitas formas de fazer um jogo live service prosperar; a falta de bom senso da desenvolvedora Nadeo, entretanto, mostra-se maior a cada temporada de Trackmania, causando confusão entre jogadores veteranos, dificultando a vida dos iniciantes e, sobretudo, favorecendo em excesso uma elite no game. Neste artigo, irei comentar como as mudanças dos últimos tempos nos modos Ranqueado e Royal deixaram os gamers mais segregados do que nunca na história do jogo.

Um respeitável legado

Trackmania é uma série de jogos bastante antiga — originada em 2003 —, embora pouco jogada no Brasil em comparação com outros países. O game se trata de um jogo de corrida arcade extremamente competitivo no qual, de forma geral, o objetivo é sempre ser o piloto mais rápido.


Tradicionalmente, os jogos da franquia possuem um modo principal chamado “Campanha”. Nele, os jogadores podem completar sozinhos uma quantidade de corridas feitas pela desenvolvedora e, conforme o tempo obtido nelas, lhes são dados medalhas que remetem às olímpicas. Estas são: bronze, prata, ouro, e a mais difícil de todas, a “medalha do autor”.

Com o passar do tempo e os vários lançamentos da franquia, no entanto, Trackmania foi evoluindo para a versão que temos hoje em dia. Além da Campanha, o game possui muitos outros modos de jogo, como Ranqueado e Royal. Em tempos recentes, resultando de escolhas duvidosas da equipe de desenvolvimento do game, ambas as modalidades citadas sofreram gravemente, apesar da resposta negativa de parte da comunidade.


Free-for-all de equipes

Como todo jogo competitivo, Trackmania também possui um modo ranqueado no qual os fãs do game podem subir os elos para chegar nos ranques mais altos. Nele, dois times de três pilotos competem pela vitória em cinco rodadas de corridas em mapas da Campanha. Conforme a posição dos jogadores, pontos da partida são distribuídos, assim dando a vitória da rodada à equipe que mais conseguir juntá-los. Aludindo às medalhas da Campanha, os possíveis ranques a serem conquistados são: bronze, prata, ouro, mestre e trackmaster.


Anteriormente, Ranqueado contava com o seguinte sistema de pontuações: pilotos que ganhassem uma partida recebiam 40, 30 ou 20 pontos que serviam para subir de ranque — uma espécie de PDL, por assim dizer —, dependendo de sua atuação na equipe. Já os jogadores que perdessem, tinham que se contentar com -20, -30 ou -40 pontos, também de acordo com sua performance no time. O piloto que mais contribuísse com pontos no decorrer do jogo inteiro era chamado de “MVP” e recebia +80 ou +40 pontos de ranque dependendo do elo que estivesse, mesmo tendo perdido ou vencido. Dessa forma, equipes precisavam de um real esforço dos membros visando uma possível vitória. Cada ponto conquistado pelo time era importante, portanto, estabelecendo uma competição entre os integrantes mais habilidosos das equipes, assim como entre os que tinham mais dificuldades.


O Ranqueado, porém, certamente estava longe de ser um jogo perfeito. Críticas feitas por veteranos do game, habituados a jogar mapas feitos pela comunidade, eram frequentes, embora ficassem geralmente em torno do apelo oferecido pelo modo, que costumava chamar a atenção apenas daqueles que passavam mais tempo jogando a Campanha, onde a experiência adquirida jogando sozinho podia ser posta em prática durante as rodadas.

Recentemente, para o desgosto de muitos, a Nadeo decidiu mudar essa fórmula de como os pontos de ranque são distribuídos. Hoje, o jogador que decidir entrar em uma partida de Ranqueado irá se deparar com o seguinte sistema: de acordo com a posição absoluta de cada jogador na partida inteira, independente de quanto contribuiu para a equipe, apesar do resultado — se venceu ou perdeu —, os pilotos receberão em ordem de pontuação na partida +30, +20, +10, -10, -20 e, finalmente, -30 pontos de ranque. Além disso, ganhar ou perder apenas garante míseros +10 ou -10 pontos, dependendo do resultado.


Essa brusca mudança no modo encaminha o Ranqueado cada vez mais em uma direção na qual a performance individual dos pilotos é soberana, me deixando em uma situação onde eu quase consigo entender a motivação por trás da Nadeo ao escolher o novo sistema. Apesar disso, sendo bastante franco, existe um único bom resultado que observei nos últimos dias onde testei o modo: é possível ganhar pontos mesmo perdendo uma partida onde a equipe foi de pouca ajuda sem atingir o estado de “MVP”.

Além da consequência citada, não consigo ver outras vantagens. O novo Ranqueado conseguiu destruir a relevância de ter um bom time, onde o atual “meta” se tornou, não ironicamente, ir atrás de jogadores piores para completar sua equipe, visto que, caso perca uma partida, ainda poderá obter pontos e não estará em último lugar. Não obstante, por meio do novo sistema, tornou-se possível estar em um time vencedor e perder pontos de ranque, causando um efeito completamente inverso ao esperado em uma corrida na qual a atuação da equipe deveria ser o fator decisivo.


Favoráveis ao novo sistema podem até dizer: “Tudo bem, mas pelo menos isso evita que pilotos ruins sejam carregados por colegas de equipe mais habilidosos para os ranques maiores”. Eu concordo, todavia o cenário observado no qual pilotos habilidosos podem usar jogadores mais fracos como escudo para facilitar a escalada no ranque me parece muito pior para o jogo.

Ademais, tendo em mente que a pontuação de ranque é atribuída com base na posição em que os jogadores ficaram na partida, que, por sua vez, é decidida pela quantidade de pontos obtidos nas rodadas, não importa se o terceiro lugar perdeu com 30 pontos e o quarto ganhou com 15, ambos ganharam zero pontos de ranque. Situação essa que pune a competição entre equipes em favor apenas da performance individual.

É claro que tal mudança gerou certa indignação dos pilotos acostumados com o formato anterior, no entanto, por conta dela favorecer de forma absurda jogadores que se garantem individualmente, postagens sobre a nova pontuação em redes como o Reddit são rapidamente preenchidas de comentários enviesados de usuários dizendo ter adorado a atualização.

Cronômetro até no battle royale


Quando introduzido ao game, Royal era um divertido modo de jogo aos moldes do tão famoso Battle Royale que tomou conta da indústria durante bastante tempo. A modalidade consistia em equipes de três pilotos que competiam em uma série de mapas, onde cada um deles possuía segmentos de cores brancas, verdes, azuis, vermelhas e pretas; nas quais gradualmente a dificuldade ia aumentando. Quando um jogador da equipe terminava o segmento branco, ele e toda a sua equipe podiam passar ao verde e assim por diante. A equipe que mais conseguisse terminar os segmentos dos mapas ganhava a rodada, enquanto o time que menos completasse era eliminado.

Royal, por se tratar de um modo completamente gratuito, e por ter três torneios diários, chamados de Super Royal, atraía bastante a atenção de jogadores iniciantes, bem como de veteranos. Tais torneios, por sua vez, costumavam ser lotados e, por meio de uma rodada de qualificação, era possível dividir o torneio em quatro divisões: bronze, prata, ouro e a divisão mestre. Esta última, onde apenas os mais habilidosos pilotos competiam pelo primor de poder dizer que ganharam de todos no servidor.


Após um boom inicial quando o Royal foi introduzido, a modalidade seguia por uma humilde, porém respeitável, trajetória na qual era frequente encontrar novos jogadores, assim como grandes comunidades foram se formando em torno dele. Entretanto, ao meu ver, a Nadeo parece detestar manter um modo de jogo dando certo por muito tempo e, fatidicamente, em Janeiro de 2024, a desenvolvedora decidiu obliterar o Royal, mudando completamente a lógica por trás do jogo e implementando um sistema de tempos e estrelas.

O Royal Stars, como ficou conhecido, defenestra o conceito de simplesmente completar os segmentos para avançar para as cores mais difíceis dos mapas. Ao introduzir um novo sistema de pontuação, os jogadores agora precisam bater certos tempos em cada segmento para ganhar um número de estrelas. Apenas após obter dez estrelas, os pilotos podem seguir para a próxima cor. Ainda, jogadores que estabelecem recordes em cada segmento na partida ganham pontos extras para a sua equipe, estes que podem ser tomados por outras equipes caso batam os recordes, e assim por diante.


Qual foi o resultado? Royal Stars se tornou um modo onde os mais experientes jogadores ficavam sem fazer nada durante três quartos de duração do mapa, esperando os outros pilotos avançarem para os segmentos mais difíceis e, para a surpresa de ninguém, caçavam os indefesos recordes que tinham sido previamente estabelecidos. Chegar mais cedo nas partes mais difíceis do mapa não dava nenhuma vantagem e, por consequência, novamente, favorecia apenas os pilotos veteranos. Estão percebendo um padrão por aqui?

Hoje em dia, quase ninguém joga Royal por causa dessa mudança. Os antigos jogadores gostavam do modo justamente por ser diferente da Campanha, na qual o único oponente é o cronômetro. Eles gostavam das corridas em si, da consistência oposta ao tempo, dos obstáculos e da dificuldade das pistas. Quando isso deixou de ser relevante, muitas comunidades que se formaram acabaram se desmanchando, uns desistiram completamente do Trackmania, enquanto outros encontraram outras formas de se divertir no jogo. Ao examinar as últimas partidas de Super Royal da semana, o número de jogadores varia entre 45 em dias bons, a até dez em dias ruins. Partidas comuns do modo, ou seja, as que não são no formato torneio, praticamente não têm ninguém jogando e são lotadas de bots.

Por meio de um plug-in, podemos ver a quantidade de bots em partidas normais de Royal.

Desconexão com a realidade

No decorrer do texto, venho evidenciando uma falta de bom senso da desenvolvedora. Na verdade, sinto que, além disso, a principal mácula por trás das decisões da Nadeo está em uma desconexão com a realidade. Comentários de feedback da comunidade são totalmente ignorados, esforços de equipe são completamente subjugados em favor de performances individuais, sem falar dos altos preços da assinatura do game que recebeu um reajuste para apenas possibilitar a compra do nível mais caro em prol de uma elite pagante, e como se não bastasse, removendo acesso de boa parte do conteúdo anteriormente gratuito, forçando aqueles que querem competir no Ranqueado a pagarem a assinatura.

O modo Ranqueado, na temporada passada, não viu um jogador brasileiro sequer terminar no ranque mestre, algo relativamente comum de se ver em temporadas anteriores. Já o Royal é um verdadeiro modo zumbi, salientado pelo fato da desenvolvedora já ter enterrado o botão para selecionar o modo dentro de vários submenus. Sinceramente, não sei dizer se esta situação é culpa da Nadeo em si, ou de medidas impostas pela sua dona e publicadora, Ubisoft. O fato é que, no final das contas, quem sofre com essas medidas são os fãs do jogo, que cada vez mais precisam se expressar de formas epidérmicas em relação às mudanças feitas no seu jogo de corrida favorito.

Revisão: Alessandra Ribeiro