Microsoft 50 Anos – a empresa que mudou o mundo – Parte 3
A Microsoft roubou a Apple, ou salvou a empresa? Nesta terceira parte da História da Microsoft, vamos conhecer esse momento conturbado! Microsoft 50 Anos – a empresa que mudou o mundo – Parte 3

A Microsoft não inventou a interface gráfica. Nem a Apple. Nem foi roubada da Xerox. Piratas do Vale do Silício é um excelente filme, mas simplifica e distorce muita coisa, assim como Hidden Figures, é ótimo, mas é fanfic. Sobre o último, artigo no Contraditorium em breve. Sobre a Microsoft, vamos prosseguir com a História de quando Bill Gates mordeu mais do que conseguia abocanhar, e passou por quatro gerentes de produto sem conseguir entregar o Windows.
- Microsoft 50 Anos – a empresa que mudou o mundo – Parte 1
- Microsoft 50 Anos – a empresa que mudou o mundo – Parte 2

Bill Gates, no começo dos Anos 1990 (Crédito: Divulgação/Microsoft)
A idéia de interface gráfica no final dos Anos 70 não era mais revolucionária, mas também não era popular, sendo algo restrito a pesquisadores. A adoção geral demorou bastante, mesmo depois do lançamento do Macintosh em 1984, articulistas como Chrys Goyens insistiam que interfaces gráficas eram uma moda passageira.
Um dos reais pioneiros foi o Alto, um computador criado pela Xerox, mais precisamente pelo PARC – o Centro de Pesquisas de Palo Alto, uma organização criada pela Xerox para fazer exclusivamente pesquisa, e seguiram ao pé da letra. Raríssimas vezes a tecnologia desenvolvida por eles era transformada em produto.
O PARC inventou a Interface Gráfica, otimizou o uso de Mouse, criou Ethernet e até a impressora-laser. Todos esses produtos acabaram sendo vendidos por outras empresas.
Quando o Apple II foi lançado em 1977, com sua interface de texto, a Xerox já tinha um computador com mouse e interface gráfica desde 1973. Era o Xerox Alto,
Com tela WYSIWYG de alta resolução (pra época, 606 × 808), 128KB de RAM, CPU de 5.8MHz, o Alto era um monstro. Mas não um segredo. Mais de 2000 foram construídos e estavam disponíveis para o público acadêmico. Os que tinham dinheiro, claro. Cada unidade custava em 1973 US$32 mil, equivalente a US$230 mil em 2025.
Quando Steve Jobs, com engenheiros da Apple, visitou o PARC, em 1979, os conceitos apresentados não eram mais segredo, o que os impressionou foi a maturidade com que foram apresentados.
A tal visita também não foi de graça. A Apple concordou em vender para a Xerox 100 mil ações a US$ 10 cada, antes da abertura de capital da empresa, em dezembro. Em valore de hoje, um investimento de quase US$ 4,5 milhões. Valeu? Digamos que quando a Apple fez seu IPO, cada ação foi oferecida a US$22. Nada mal pra uma empresa de frutas.
O preço por comprar ações baratas, foi a visita guiada VIP ao PARC, que impressionou profundamente Steve Jobs. Ele redirecionou os esforços da Apple, criando o Lisa e depois o Macintosh. O Lisa herdou muito do Alto, inclusive seu preço. Um Apple Lisa custava US$1 0 mil, US$ 32 mil em valores atuais.
Não precisa explicar por que todo mundo continuava brincando com os Apple II, Commodores e TRS-80s...
No mundo de gente grande, a Microsoft também começou a se interessar por interfaces gráficas, depois que Bill Gates viu uma demonstração do Visi On, uma interface criada pela VisiCorp, em 1982.

Interface do Visi On (Crédito: Wikimedia Commons)
Quando a Apple lançou o Lisa, em 1983, a Microsoft já estava trabalhando no Windows. Ambos os computadores herdaram muito (em software) do Xerox Star, sucessor do Alto.
Gates inclusive comprou um Xerox Star com uma impressora por US$ 100 mil (US$ 350 mil em valores atuais), para desespero de Steve Ballmer. Isso em 1981. Ele estudava incessantemente o computador e demonstrava para todos os funcionários que apareciam no escritório dele.
Kibar não é tão simples
A Apple foi muito mais eficiente em absorver os conceitos da interface gráfica, ampliá-los e adaptá-los a seu hardware. A Microsoft não era tão boa nisso, talvez por falta do chicote do Steve Jobs, e mesmo tentado anunciado o Windows em 1983, por anos nada saiu do papel.
Queimaram quatro gerentes de produto, até Tandy Trower conseguir finalmente entregar o produto acabado em 1985, se é que dá para chamar o lixo do Windows 1.0 de produto acabado.
A Microsoft nessa época ofereceu o Windows para a IBM, que de novo demonstrando sua excelente visão estratégica, decidiu não investir na GUI de Bill Gates.
No final de 1987 foi lançado o Windows 2.0, acompanhado de Word e Excel, nessa época o Windows era vendido em caixas com um mouse, periférico que ainda era raro na maioria das casas e escritórios.

Ah Pagemaker, ganhei muito dinheiro com isso (Crédito: Wikimedia Commons)
Ainda limitado, o Windows 2.0 ao menos rendeu uma coisa: Dor de cabeça, quando a Apple viu os novos recursos do sistema da Microsoft, subiu nas tamancas, rodou a baiana. “Vai todo mundo pro pau!”
Não que a Apple fosse estranha aos tribunais, toda hora tinham um caso cabeludo. Um dos melhores foi quando Carl Sagan descobriu que o codinome interno de um dos projetos da empresa se chamava “Sagan”. Ele, chato, não gostou e processou.
A Apple então passou a chamar o projeto pelo codinome “Astrônomo Bundão”. Foram processados novamente, mas desta vez eles que processaram, alegaram que o Windows 2.0 tinha muito do “look & feel” do Macintosh, algo que pode ser traduzido por “jeito e visual”.
Isso resultou no caso “Apple Computer, Inc. v. Microsoft Corp.”, e a pobre HP entrou de gaiata sendo incluída como co-ré, por causa do NewWave, um aplicativo que vinha com o Windows e também teria copiado ícones da Apple.
O caso se arrastou de 1988 até setembro de 1994, a Apple apresentou 189 elemento da Interface Gráfica do Windows que teriam sido copiados do Macintosh, mas o resultado não agradou muito aos frutistas.
A Microsoft puxou da cartola uma licença assinada pela Apple; envolvia o desenvolvimento de softwares para Macintosh, e incluía o direito da Microsoft usar os elementos da Interface Gráfica do Mac mesmo em programas como o Windows 1.0.
Com essa licença, o Juiz decidiu que 179 elementos gráficos estavam devidamente licenciados, e os outros dez não eram passíveis de Copyright.
Também foi levantado que a própria Apple admitia ter se inspirado na Xerox, e não existe copyright por procuração, a Apple não pode processar a Microsoft por copiar elementos da Xerox que a Apple também copiou.
Já a Xerox pode, e para adicionar insulto à injúria, no meio do imbróglio, a XEROX processou a Apple por copiar a interface do Xerox Star, alegando que a tal visita ao PARC foi abusada pela Apple.
O tribunal não deu atenção, viu que a Xerox só entrou com o processo por sentir cheiro de sangue na água. O caso foi anulado e a Xerox voltou pro seu cantinho chupando dedo.
Não que isso fosse ficar por isso mesmo. Mesquinha como só ela, a Apple passou a representar os computadores Windows nas redes locais usando um ícone para lá de sacana: um monitor CRT com uma Tela Azul da Morte. E o melhor de tudo, é assim até hoje!

Uma baita de uma sacanagem, mesquinharia mesmo. Eu adoro (Crédito: Reprodução/Apple)
Alguns anos depois, em 1997, Windows já era um virtual monopólio nos desktops, a Microsoft tinha um valor de mercado de US$ 107 bilhões. A Apple estava perdida, o iPod só seria lançado em 2001, Macs eram desejos de consumo, mas com uma penetração (ui!) muito pequena. A empresa valia US$ 1,5 bilhões, e estava, como o rapaz alegre da piada do Costinha, toda endividada.
Michael Dell deu sua famosa declaração de que se fosse a Apple, fecharia a empresa, venderia o patrimônio e distribuiria o dinheiro para os acionistas.
Isso foi o resultado da saída de Steve Jobs, que abandonou a empresa em 85, ao ser passado para trás por John Sculley. Jobs voltou em setembro de 97, quando o board da empresa implorou rastejando para que ele os salvasse.
Internamente, Steve Jobs costurou um acordo com seu maior adversário, Bill Gates: Em um momento em que a Apple mais precisava de confiança do mercado, durante a MacWorld Boston Jobs anunciou uma parceria gigantesca:
A Microsoft compraria US$ 150 milhões em ações da Apple, com acordo de não as vender por três anos. Também se comprometeu a lançar versões do Office para macOS, por pelo menos cinco anos, incluindo as atualizações principais.
Em troca, a Apple aceitou não mais tentar processar a Microsoft por copiar o Mac, incluiu o Internet Explorer como navegador principal e iniciaram vários projetos conjuntos.
A Microsoft salvou a Apple, e talvez tenha sido a melhor coisa que ela já fez, monopólios são ruins, competição é essencial, mas a decisão não foi 100% altruísta. A empresa estava sendo investigada pelo Governo dos Estados Unidos por prática de monopólio, corria um sério risco de ser desmembrada como outras grandes empresas do passado, como a Bell, a Standard Oil e a U.S. Steel.
Mantendo a Apple no mercado, a Microsoft teria uma concorrente de peso para apontar e mostrar que não estava sozinha.
Está longe de ser uma atitude ruim, foi um belo gesto, mas antes que comecem os louvores, é bom lembrar que a Microsoft de santa não tem nada.
A empresa tem um histórico de práticas questionáveis, FUD (sigla em inglês para Medo, Incerteza, Dúvida), ataques pesados, como a campanha Anti-Linux, e algumas atitudes de gente baixa, como o Windows que quando detectava que estava sendo instalado em cima do DR-DOS (o clone do MS-DOS da Digital Research), dava um erro. Uma mensagem genérica, um OK e tudo funcionava, mas a mensagem passada era que o DOS sem ser da Microsoft ou IBM era ruim.

Ah, Bill... (Crédito: Wikimedia Commons)
Isso tudo veremos na quarta parte de nossa exaustiva História da Microsoft...