WWDC25: a última chance da Apple de fazer a coisa certa na relação com os desenvolvedores

Na última semana, a Apple sofreu a sua derrota mais significativa no entrave contra a Epic Games, que…

Mai 3, 2025 - 14:53
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WWDC25: a última chance da Apple de fazer a coisa certa na relação com os desenvolvedores

Na última semana, a Apple sofreu a sua derrota mais significativa no entrave contra a Epic Games, que começou em 2020.

À época, sabendo que seria expulsa da App Store e da Play Store por quebrar as regras envolvendo compras internas em Fortnite, a Epic preparou com antecedência dois processos e uma campanha de relações públicas enorme na intenção de garantir na justiça o direito de contornar as comissões das lojas de aplicativos.

Em 2021, a produtora de games assegurou uma liminar que proibiu a Apple de impedir o redirecionamento de usuários de aplicativos para sistemas alternativos ao da App Store na hora de fazer assinaturas ou compras internas.

Naquela oportunidade, a juíza do caso, Yvonne Gonzalez Rogers, decidiu que a Apple não podia ser considerada monopolista segundo as leis federais ou estaduais, mas decidiu que as atitudes da Apple eram anticompetitivas segundo a lei estadual.

Para a Apple, sempre ficou muito claro que ela havia encarado esse revés somente como uma pequena inconveniência temporária. Já que estava protegida pela lei federal, ela tentou levar o caso à Suprema Corte dos EUA, acreditando que seria facilmente favorecida.

O problema é que não foi isso que aconteceu. Em suma, a Suprema Corte decidiu não ouvir o caso, mantendo assim a validade da decisão anterior. Em resposta a isso, a Apple se viu sem alternativas senão cumprir a determinação.

O problema é que a Maçã fez isso exatamente da mesma forma que ela vem fingindo estar cumprindo as determinações da Lei dos Mercados Digitais 1 na Europa: torta e pela metade.

De fato, ela deixou de proibir o redirecionamento de usuários americanos para sistemas alternativos ao da App Store na hora de fazer assinaturas ou compras internas. Mas ela passou a cobrar uma comissão de 27%, além de exibir um alerta assustador na intenção de dissuadir o usuário de seguir em frente.

Pois bem. Na última quarta-feira (30/4), vieram as inevitáveis consequências. Em um documento de 80 páginas, ao longo das quais a juíza Rogers mostrou-se absolutamente possessa com as esquivas dissimuladas da Maçã, ela proibiu a empresa de:

  • Impor qualquer comissão ou taxa sobre compras realizadas fora de um aplicativo, e, como consequência disso, não exigir que desenvolvedores auditem, monitorem, rastreiem ou reportem essas compras ou qualquer outra atividade dos consumidores fora do aplicativo;
  • Restringir ou condicionar o estilo, a linguagem, a formatação, a quantidade, o fluxo ou a posição dos links para compras realizadas fora de um aplicativo;
  • Proibir ou limitar o uso de botões ou outros chamados para ação, ou condicionar de qualquer outra forma o conteúdo, o estilo, a linguagem, a formatação, o fluxo ou a posição desses dispositivos para compras fora de um aplicativo;
  • Excluir certas categorias de aplicativos e desenvolvedores de obter acesso a links;
  • Interferir na escolha dos consumidores de prosseguir dentro ou fora de um aplicativo, utilizando qualquer coisa que não seja uma mensagem neutra informando os usuários de que eles estão sendo redirecionados para um site de terceiros.

Em outras palavras, ela mandou a Apple cumprir o que ela havia determinado em 2021, da forma como ela havia determinado em 2021.

Tudo isso, vale lembrar, veio somente uma semana depois da Europa ter multado a Apple em 500€ milhões por, também por lá, ter tentado se esquivar das determinações da DMA. E também por lá, os legisladores mostraram-se bastante impacientes com a criatividade da Apple para tentar tangenciar o que determina a lei.

Para quem acompanha a Apple de perto, nada do que vimos na última semana (ou nos últimos anos) chega a surpreender.

Em dezembro de 2023, frente a uma grande vitória da Epic Games contra o Google [PDF], às recentes derrotas da Maçã na Holanda, no Japão e na Coreia do Sul e, à iminência do vigor da DMA, eu escrevi o seguinte em um artigo intitulado “O fim da App Store como a conhecemos“:

No caso da Apple, até agora, ela vem adotando a postura de ajustar as regras da App Store caso a caso, modificando apenas o mínimo legalmente necessário para ficar de acordo com as decisões dos tribunais em cada país onde ela perde processos ou recebe ordens regulatórias.

Mas, se antes já havia uma expectativa de que estávamos vivendo o inevitável fim da App Store como a conhecemos graças à iminente mudança na legislação europeia, fato é que a derrota do Google para a Epic pode ter acelerado ainda mais esse processo.

Sinceramente, eu não sei o quanto a vitória da Epic Games contra o Google favoreceu o revés que a Apple sofreu na Europa e nos EUA nos últimos dias. Mas sei que, definitivamente, não atrapalhou.

A esperança é a última que morre

Procurando nas transcrições do podcast Área de Transferência, a primeira vez que manifestei uma esperança de que a Apple poderia anunciar, proativamente na próxima WWDC, uma redução na comissão que ela cobrava dos desenvolvedores foi no episódio 19, publicado nada menos do que em abril de 2017.

Na época, a discussão foi motivada pela decisão da Maçã de reduzir a comissão que ela pagava no Programa de Afiliados do iTunes, para vendas de aplicativos ou compras internas.

Para os não-familiarizados, funcionava assim: um afiliado (como o MacMagazine, por exemplo) tinha um pequeno código identificador que podia ser inserido ao final de um link para um aplicativo na App Store. Se o usuário seguisse o link e comprasse o aplicativo, o MM recebia uma pequena comissão diretamente da Apple. Até 1º de maio de 2017, essa comissão era de 7%. Dali para frente, ela passou a ser de 2,5%. Em outubro de 2018, o programa foi extinto.

Naquela época, já era claro que a comissão de 30% que a Apple cobrava dos desenvolvedores estava começando a parecer desproporcional. Por isso, para demonstrar um sinal de boa-fé com os desenvolvedores dos quais ela tanto dependia para manter seu ecossistema ainda mais interessante e, aproveitando que ela não precisaria mais repassar parte disso para eventuais afiliados, bem que ela poderia surpreender e anunciar uma redução na tarifa, certo?

Bem, como sabemos, não foi bem assim que a história se desenrolou. E dali em diante, foi ladeira abaixo 2.

WWDC25: a última chance

Há dez anos, o jornalista Jason Snell faz em seu site o Six Colors Report Card: um levantamento bastante amplo com “jornalistas, editores, desenvolvedores, podcasters e outras pessoas” que, de alguma forma, estão ligados à Apple.

No levantamento, os respondentes dão uma nota que vai de 0 a 5 para diferentes aspectos e categorias da operação da Apple. Uma dessas categorias é a relação com os desenvolvedores.

Na recém-publicada edição de 2025, sobre o desempenho da Apple em 2024, a relação com os desenvolvedores somou 2,4 pontos, apenas 0,2 pontos acima do recorde negativo de 2015, quando o levantamento começou. Os motivos são mais do que óbvios.

“A Apple está estragando tudo com os desenvolvedores”, disse o lendário desenvolvedor Craig Hockenberry.

Já para a jornalista Christina Warren, “o Vision Pro, até mais do que o Apple Watch, mostra que os desenvolvedores não irão mais simplesmente aparecer e começar a fazer aplicativos para uma nova plataforma”, impressão essa ecoada por Chance Miller, editor-chefe do 9to5Mac: “Eu acho que os desenvolvedores não receberam o Apple Vision Pro de braços abertos como a Apple esperava que eles fossem receber.”

Para o jornalista Dan Moren, “a rejeição da Apple à DMA faz a empresa parecer mesquinha e insolente”.

No entanto, talvez as declarações que melhor resumiram o status quo tenham vindo do também lendário desenvolvedor (e ex-funcionário da Apple) James Thomson, e de John Gruber, que dispensa apresentações. “A Apple deveria concorrer na base do mérito, não da ameaça”, disse Thomson, enquanto Gruber arrematou com “a situação [de respostas à regulação] permanece igual, mas a estagnação está começando a afetar a Apple. Mais do mesmo está piorando as coisas”.

Dito tudo isso, restam poucas dúvidas sobre o quão curto é o prazo que a Apple tem de, na melhor das hipóteses, mitigar um estrago que poderia ter sido completamente evitado se ela tivesse agido antes de ser irrevogavelmente obrigada a fazê-lo quando o assunto é a App Store.

Dada a temperatura da coisa na Europa, dado esse revés furioso na Califórnia e, dado que estamos a poucas semanas da única oportunidade no ano em que a Apple finge humildade e diz que não seria nada sem os desenvolvedores, não há palco mais perfeito para ela tentar, pela última vez, reassumir o controle da narrativa, e anunciar as mudanças que ela será obviamente obrigada a fazer mais cedo ou mais tarde. Mas, com o verniz de que tudo isso está vindo de forma proativa, e da pureza do coraçãozinho dela em prol dos desenvolvedores.

Sendo realista, ela fará isso? Provavelmente não. Porém mesmo com a sinalização de interferência do governo americano em favor da Apple frente às decisões da Europa, uma coisa vem ficando cada vez mais clara: os desenvolvedores perderam a paciência. Os reguladores perderam a paciência. O tempo da Maçã está se esgotando.

Até internamente, vozes como a de Phil Schiller vêm falhando repetidas vezes em tentar ser a voz da razão, a fim de evitar que o pé da Apple gangrene de vez depois de tantos tiros autoinfligidos.

Para todos os efeitos, a WWDC25 não será apenas a melhor oportunidade, mas provavelmente a última que a Apple terá de preservar qualquer resquício de controle sobre o próprio futuro. Ela precisa agir agora, pois o mercado, a Justiça e os desenvolvedores já deixaram claro: eles não irão esperar até a WWDC26.

Notas de rodapé

1    Digital Markets Act, ou DMA.
2    Hoje, graças aos processos que a Apple vem enfrentando, sabemos que até mesmo Phil Schiller, ex-chefe de marketing global da Apple e atual chefe-fantasma da App Store, defendeu em 2011(!!) que a Apple estava prestes a ganhar mais do que o suficiente com a loja, e que ela poderia reduzir essa comissão sem registrar um real impacto nos seus resultados. Em resposta, Steve Jobs basicamente decidiu que a Apple não faria isso proativamente, mas sim quando fosse obrigada por forças do mercado.