Janet Jackson, o terror de laptops Windows

Imagine a cena: você está usando em seu laptop Windows, quando de repente o sistema dá tela azul. Você reinicia o PC, segue a vida, e tempos depois, acontece de novo. E de novo. A única coincidência, o clipe de Rhythm Nation, single de 1989 da cantora pop Janet Jackson, estava sendo executado no computador, ou em outro próximo.

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Por mais bizarro que isso soe, o áudio do clipe foi oficialmente reconhecido como uma vulnerabilidade, ao afetar HDs de laptops Windows específicos. Como? A Ciência explica.

A Microsoft manteve por anos um filtro anti-Rhythm Nation, o clipe de Janet Jackson que ferrava HDs (Crédito: A&M Records/Universal Music Group)

Janet Jackson e o poder de parar HDs

A história foi trazida à tona pela primeira vez em 2022, quando Raymond Chen, programador da Microsoft que fez parte do time de desenvolvimento do Windows por mais de 30 anos, fez duas publicações no blog da companhia voltado a desenvolvimento. Tudo começou quando um colega dele, do departamento de suporte ao consumidor do Windows XP, relatou um problema que um fabricante de laptops, nunca identificado, estava tendo.

Isso aconteceu por volta de 2005, e afetava alguns modelos de laptops equipados com HDs que funcionavam a 5.400 RPM; ele relatou que se o laptop executasse o clipe de Rhythm Nation, ele parava de funcionar quase que instantaneamente. Durante a investigação do problema, os técnicos da Microsoft descobriram que isso também acontecia com computadores de empresas competidoras.

Para deixar a história ainda mais esquisita, o fenômeno acontecia mesmo se outro PC estivesse executando o clipe, o sujeito ao bug falhava e dava tela azul do mesmo jeito. Tal como um "deuce" de Wild Cards, Janet Jackson tem um superpoder de dar pau em HDs muito específicos, que só funciona com o áudio do clipe, e não se ativa com o da versão do álbum Rhythm Nation 1814, seja via arquivo MP3, CD, ou, se você for muito vintage, LP ou fita K-7.

O problema causava danos físicos nos discos rígidos, e vários foram perdidos.

Chen conta que a fabricante em questão teve que desenvolver um "filtro personalizado" para HDs de 5.400 RPM, desenvolvido especificamente para barrar as frequências que o clipe de Rhythm Nation emite, visto que este é um clássico problema de ressonância acústica. O som da mídia faz o ar vibrar ao redor, e essa vibração é captada pelo tímpano de seus ouvidos, é assim que ouvimos.

O ar vibrando também é captado por qualquer outro tipo de objeto ao redor da fonte sonora, mas normalmente estes dissipam as ondas, e nada acontece. Em casos muito específicos, elas podem ter frequências similares, e a fonte ressoa com as ondas vibratórias que os elementos atingidos possuem (lembre-se, tudo no Universo vibra ao nível atômico), e as ondas acabam amplificadas.

Como resposta, o objeto tentará eliminar a energia aumentando as vibrações com movimento, mas como a fonte das ondas (o áudio do clipe) continua, isso gera uma retroalimentação positiva, onde as vibrações só aumentam até o ponto do colapso, que é quando o HD pede arrego. Um exemplo é o de submeter uma taça de cristal com água a um som agudo ressonante, e ela vai vibrar até quebrar.

Outro causo similar é o da ponte original do estreito de Tacoma, inaugurada em 1940 nos Estados Unidos. Por ser muito estreita, ela ficou sujeita ao vento, que a fazia balançar fortemente; no dia 7 de novembro do mesmo ano, uma ventania muito forte que alcançou a velocidade de 64 km/h, fez com que ela oscilasse violentamente até o ponto de ruptura, e a ponte desabou.

A ocorrência é ensinada hoje como um exemplo de tudo o que não pode ser feito em Engenharia; a ponte foi vítima de ressonância aeroelástica, causada especificamente pelo vento, que criou uma situação onde o movimento para dissipar a energia só aumentou o problema, até a estrutura vir abaixo.

A ponte atual, inaugurada em 1950, é completamente estável, e bem mais larga.

Voltando ao superpoder de Janet Jackson, o músico Adam Neely destrinchou o problema e deu detalhes de como a ressonância funciona, vale a conferida.

Esse problema em si foi notificado e recebeu uma entrada oficial no NIST (Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia), órgão dos Estados Unidos, antigo Departamento Nacional de Padrões (NSB) e similar ao Inmetro, como uma vulnerabilidade devidamente reconhecida, que afeta laptops Windows equipados com HDs de 5.400 RPM, "produzidos entre 2005 e anos posteriores".

O termo oficial é "negação de serviço (DoS) via ataque de frequência ressonante, com sinal de áudio do videoclipe Rhythm Nation"; em termos técnicos, a vulnerabilidade poderia ser usada por gente mal intencionada para causar o caos, fazendo com que laptops próximos deixem de funcionar ao executar o vídeo.

Graças a Chen, o caso voltou recentemente à mídia; em uma nova postagem no blog do Windows, o profissional comento que o filtro de áudio permaneceu ativo "pelo menos" até a introdução do Windows 7, quando a Microsoft impôs que todos os APOs (Objetos de Processamento de Áudio), o nome que se dava a filtros do tipo, deveriam ter opções para serem desativados pos usuários.

Na ocasião, o fabricante afetado original entrou com um pedido de exceção junto à Redmond, dizendo que o filtro que barrava as vibrações de Rhythm Nation não poderia ter tal opção, pois isso implicava em expôr HDs de 5.400 RPM (que ainda eram usados largamente em 2009, quando o Windows 7 chegou às lojas) a danos em potencial.

Do ponto de vista do usuário, ele iria desmarcar uma caixinha que filtrava graves, o que soava como uma coisa boa, apenas para ter um crash de SO e, na pior das hipóteses, perder o HD; isso poderia escalar para consumidores publicando em fóruns "não compre laptops da marca X", ou pior, "não comprem laptops Windows", pois "eles dão pau demais", o que prejudicaria os negócios da fabricante, e por tabela, da Microsoft. Com isso, o filtro anti-Janet Jackson permaneceu ativo por padrão.

Hoje, HDs são uma relíquia do passado; quase todo mundo migrou para SSDs em máquinas de produção, pessoais ou corporativas, e discos rígidos foram movidos quase que exclusivamente para soluções de backup, sem contar que modelos modernos operam a uma frequência de 7.200 RPM, ou mais.

Ainda assim, é possível que em algum canto do planeta, alguém ainda use um laptop velhinho rodando Windows XP ou 7 (você não, Vista), que pode causar sérios problemas caso seu dono cisme de ver o clipe dessa música específica da caçula dos Jackson no YouTube.

Fonte: PCWorld

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