The Precinct – Review
Uma cidade tomada pela criminalidade e pela corrupção, as ruas servindo como um verdadeiro parque de diversões para todo tipo de malandro e uma polícia que ou faz vista grossa para evitar a fadiga ou é parte de um sistema nefasto onde quem pode mais, chora menos. Diante tudo isso, um tira que ousa seguir …
Uma cidade tomada pela criminalidade e pela corrupção, as ruas servindo como um verdadeiro parque de diversões para todo tipo de malandro e uma polícia que ou faz vista grossa para evitar a fadiga ou é parte de um sistema nefasto onde quem pode mais, chora menos. Diante tudo isso, um tira que ousa seguir na linha é morto e, anos depois, seu filho se forma um dos melhores da academia, entra para a corporação procurando respostas e acaba descobrindo mais do que acreditava ser possível.
Esta premissa narrativa poderia pertencer a um sem-fim de produções policiais sobretudo do final do século passado, aqueles que criam a dinâmica de boddy cops onde um deles é sempre o pseudo-escoteiro e o outro faz a coisa certa (ou nem tanto) de modo pouco ortodoxo. Filmes como os das franquias Um Tira da Pesada e Máquina Mortífera apostam neste formato onde a ação e a comédia se fundem e geram um gênero próprio, tantas vezes explorado e satirizado.
A comicidade, entretanto, não é pré-requisito, e produções mais sérias como Dia de Treinamento e Seven – Os Sete Pecados Capitais também propõem a construção desta dicotomia entre o novato e o veterano, o idealista e aquele que já viu porcarias demais para ter qualquer esperança, e diante tudo isso, a vontade de fazer o certo diante o desejo de só tentar viver mais um dia sem arrumar confusão com gente perigosa demais e, quem sabe, se aposentar inteiro.
Este clima neo-noir de pessimismo social é também o cerne do universo de The Precinct, que nos coloca na pele do novato policial Nick Cordell Jr., um jovem focado cujo passado guarda um certo amargor pelo perda de seu pai, veterano do distrito morto em serviço cujo assassino jamais fora capturado. Agora parte da mesma corporação de seu velho, ele se coloca na linha de frente na batalha já perdida entre a lei e aqueles que lucram fora dela.
O início da década de 1980 é a ambientação ideal para uma trama desta natureza, sobretudo por Averno, metrópole onde o jogo se situa, ser a típica representação de uma grande cidade estadunidense que sofre com a violência e com a criminalidade fora de controle. E a reconstrução da estética oitentista no game dá suas cartas logo nos primeiros minutos de jogo, nos apresentando uma frota de veículos cuidadosamente recriados; construções que se valem do bom e velho neon decadente, e até um linguajar marcante desse tipo de produção.
O tema principal, uma power ballad com tons de um smooth jazz meio cansado, tocado como em créditos iniciais de filmes do gênero, cria a ambientação perfeita que transborda personalidade para toda a jornada do nosso jovem candidato a herói, que logo de cara se envolve com o que há de mais pesado em seu ofício e, no dia seguinte, precisa se contentar em aplicar multas de trânsito ou perseguir vagabundo vendendo droga na esquina.
Organizado em uma estrutura de rondas periódicas e missões especiais, o jogo funciona organicamente para que o protagonista ganhe uma certa casca e o jogador, empoderado com todas as regras do manual de boa conduta policial, crie sua própria trajetória dentro da delegacia. Será alguém que segue a cartilha burocrática ou aquele que escolhe sujar as mãos, quebrando algumas regras pelo que acha ser o bem maior?
Não demora para que aprendamos quais os caminhos possíveis e suas consequências. Fazer a abordagem correta, descobrir possíveis contravenções, ler os direitos, só usar força quando necessário e causar o mínimo de desordem é o jeito mais rápido de progredir. Cada nova notificação, se aceita, demanda um certo procedimento e a sua execução correta, ao final do dia, gera mais pontos de experiência. Erros e excessos significam descontos da pontuação. Mas no fim, o que mais conta é o trabalho bem feito, e atalhos podem ser recompensados.
O bom comportamento também traz outras benesses, como o desbloqueio de novas regiões mais complexas para patrulha e exploração, novas armas e equipamentos mais parrudos, e um sistema de árvore de habilidades desbloqueáveis que incrementa nossa capacidade de lidar com o que vem pela frente. Se esforçando para evitar o grind pelo grind, The Precinct usa a bonificação como consequência, não um fim em si.
A roda de ações é das coisas mais completas para o formato, e aprender cada possibilidade nos generosos tutoriais de entrada se faz muito recompensador ao longo da jornada. As informações na HUD são, todas, cheias de significado, e são cada qual à sua maneira, fundamentais para um resultado positivo. Acusar um cidadão de posse de drogas por um comportamento suspeito, sem provas, é o caminho para o lado sombrio da profissão. Ao mesmo tempo, ignorar evidências ou errar procedimentos pode significar mais um malfeitor solto nas ruas.
Intercalando a ronda a pé e passagens em veículos, normalmente carros e, por vezes, o helicóptero da polícia, somos expostos a todo tipo de crime. De excesso de velocidade a assassinatos, de bêbados brigando na rua a gangues altamente organizadas, tudo pode, em certo grau, cruzar o nosso caminho. A diversidade de ações geradas proceduralmente é um dos maiores trunfos do jogo para nos manter interessados e atentos o tempo todo.
Todavia, este o pano de fundo que dá substância a um jogo que consegue equilibrar o mundo aberto sandbox – ainda que com restrições – com a linha narrativa principal, que nos leva cada vez mais fundo no submundo podre desta sociedade decadente. Cada nova promoção pode elevar o status e o reconhecimento do talentoso policial Cordell na delegacia, mas também o coloca um passo mais próximo de verdades inconvenientes e dos limites morais que defende.
A amplitude da jogabilidade, que mescla a exploração livre com elementos de investigação, interatividade e combate, também cobra seu preço, e nem sempre o sistema de colisão funciona a contento, apresentando alguns enroscos que podem nos fazer perder um tempo precioso. Ficar preso em uma quina mal feita durante uma perseguição importante pode ocasionar no fracasso do trabalho que pode ter levado horas até esse desfecho, por exemplo.
O comportamento do mundo à nossa volta também traz alguns entraves, como problemas na inteligência artificial. Não foram poucas as vezes que, ao chamar uma escolta complementar, eu os visse chegando atrapalhados, trombando nos carros próximos, atropelando pessoas e ficando presos em algum engarrafamento sem saber como resolver a questão sozinhos.
Se é intencional ou não, o resultado é bastante satisfatório ao trazer uma certa naturalidade na imperfeição. Claro que um detetive graduado ficar preso em um poste onde bateu sozinho é muito mais cômico do que necessariamente orgânico, mas ver tanto os bandidos quanto os mocinhos cometendo erros banais faz com que tudo pareça mais próximo dos nossos acertos e erros.
Isso também traz à tona o belo trabalho na construção da jogabilidade, com uma física que atende bem os princípios do game. Dirigir pelas vielas de Averno não é exatamente uma tarefa fácil porque os caminhos podem ser tortuosos e os safados não aliviam em fuga, mas o controle do carro é fluido e bem suave. Aprender a fazer curvas fechadas com o freio de mão e a abordar os inimigos como malucos resulta em cenas dignas das melhores perseguições da TV.
A pé, a coisa é relativamente tranquila, mas o combate corpo a corpo tem suas limitações. Sair na mão com um bando de mal encarados, mesmo usando de armas não letais como o cacetete e o taser, não é das tarefas mais suaves. Controlar um criminoso pode nos dar um cansaço extra, o que acrescenta uma camada a mais para a escolha de simplesmente ignorar a cartilha e sacar a arma logo de vez para resolver o problema ou manter a calma e seguir os protocolos.
Com uma visão isométrica clássica (com um eficiente e necessário controle de posicionamento de câmera) que nos faz lembrar, guardadas todas as devidas proporções e a significativa distância técnica, os primeiros jogos de GTA, as mecânicas de tiro nem sempre são as mais ágeis, ou mesmo óbvias, mesmo com um sistema de mira funcional e útil.
A estratégia de se apoiar em pontos de cobertura, descobrir janelas estratégicas para agir e ser o mais acertivo possível é a receita para encarar gangues inteiras e chegar ao fim do dia para assinar a folha de ponto e, assim, começar tudo de novo no dia seguinte. Normalmente encaixadas entre uma ronda e outra, essas passagens de mais dinamismo são essenciais no estabelecimento de um ritmo de progressão que consiga fugir de ciclos menos intensos.
Não é difícil concluir que sim, eu sou um fã confesso de filmes do gênero policial, bem como séries divertidas como Miami Vice, Hawaii 5.0, o recente Brooklyn Nine-Nine e coisas do tipo, o que naturalmente me trouxe o interesse desconfiado por este jogo. The Precinct pode parecer, à primeira vista, um leve simulador de vida policial sem tanto tempero, e por vezes pode acabar caindo na armadilha repetitiva durante a campanha, mas de modo geral ele surpreende em todos os seus aspectos, conseguindo ir muito além do que eu poderia prever somente por trailers e pelo material de promoção do game.
Imersivo e estabelecido dentro de um universo fascinante bem construído tanto em aspectos estéticos quanto na infinidade de possibilidades de interação, o game vai muito além da aparente burocracia da papelada e dos procedimentos padronizados. Ciente de suas qualificações, há aqui um evidente elemento de engajamento contínuo que nos carrega para aquela máxima de “só mais uma patrulha” que se torna uma sequência de encontros e confrontos que precisam de um desfecho satisfatório que pode durar horas.
Se a trama não chega a ser das mais originais e está longe de se pretender algo ssim, temos aqui uma grande ode ao gênero e a toda uma geração que cresceu vendo Martin Riggs ou Axel Foley invadindo galpões, enfrentando verdadeiros exércitos e ainda encontrando tempo para passar na loja de donuts e tomar uma bronca do chefe por terem quebrado a cidade inteira para pegar um ladrão pé-de-chinelo porque, afinal, vagabundo nenhum vai se safar sem as consequências da lei.
The Precinct está disponível para Playstation 5, Xbox Series e PC. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Kwalee Gaming.