Castlevania: Noturno traz segunda temporada covarde, mas ao menos tem animação bonita

Desde sua estreia em 2017, a animação que ostenta o nome Castlevania pode ser assistida sob óticas distintas. Uma delas é encará-la como um produto derivado dos games, esperando menções à mitologia, à própria história e como ela se correlaciona com a nova mídia. A segunda é acompanhá-la como uma produção original, ignorando completamente sua origem e entendê-la como um produto isolado, sem qualquer proposição comparativa a fim de estabelecer um padrão qualitativo. A questão é que, para a segunda temporada de Castlevania: Noturno, nenhuma delas realmente parece fazer sentido. Entre idas e vindas, dilemas de personagens que não desembocam em lugar algum e escolhas criativas questionáveis, a nova leva de episódios do desenho animado chancelado pela Netflix revela uma produção esteticamente caprichada, mas emocionalmente vazia, que vacila entre uma promessa de grandiosidade e sua superficialidade narrativa.É o meme das três cabeças do Rei Ghidorah, mas ao contrárioApós os eventos finais da primeira temporada, as forças malignas lideradas por Erzsebet Báthory tomam o controle da comuna de Manchecoul. No entanto, a súbita aparição de Alucard impede que os antagonistas eliminem de vez os protagonistas, culminando ainda na queda de Drolta, a principal seguidora da vilã. Com esse ponto de virada, o episódio inicial da nova temporada funciona como um interlúdio entre os acontecimentos passados e os novos rumos que a história irá tomar.Logo no início, acompanhamos um breve flashback que mostra a chegada do filho do Drácula até Erzsebet, após uma série de viagens ao redor do mundo. Paralelamente, Drolta é trazida de volta à vida por meio de um experimento profano conduzido por Emmanuel, o mestre de forja, enquanto o lado do bem, formado por Richter, Maria, Juste, Annette e o meio-vampiro, reagrupam-se a fim de decidir os próximos passos na luta contra as forças das trevas.A partir desse ponto, a trama se divide em dois núcleos principais — ou três, se considerarmos também as intrigas do lado inimigo. De um lado, Alucard, Richter e Annette partem rumo a Paris para impedir que a cidade também caia sob o domínio da vilã, frustrando assim seu plano de mergulhar o mundo em uma noite eterna. Em uma perspectiva secundária, Maria Renard se vê em um conflito particular depois de contemplar sua mãe se unindo ao lado das trevas e descobrir que o mestre de forja é seu pai.Os dois principais núcleos narrativos da temporada seguem caminhos paralelos que só se cruzam de fato nos momentos finais, o que dá a impressão de que estamos acompanhando histórias completamente distintas — e com níveis bem diferentes de envolvimento. Delas, a crise pessoal de Maria Renard se destaca, guiada por uma espiral de quase loucura em que a personagem começa a desenvolver seus poderes enquanto é consumida pela sede de vingança contra seu pai. Nesse processo, Juste Belmont tenta agir como uma voz da razão, esforçando-se para convencê-la a não se deixar levar pelos seus sentimentos negativos e destrutivos.Enquanto isso, o trio itinerante formado por Alucard, Richter e Annete segue uma jornada até Paris, sendo que nenhum dos personagens em questão se mostra tão bem desenvolvido quanto o meio-vampiro. Aqui, mais velho, ele se mostra também mais maduro em relação à sua iteração anterior, mas toda essa ponderação na hora de agir o coloca como um mentor poderoso demais que não pode ser usado à revelia como personagem por claramente desequilibrar a escala do enredo.Richter, por sua vez, pareceu bastante apagado para alguém que deveria carregar o protagonismo. Enquanto na temporada anterior ele transmitia uma exaustiva energia de rebelde sem causa, aqui ele só surge de forma significativa quando interage com Annette em um romance pouco desenvolvido. Tal como na primeira parte, ele se deixa ser conduzido sem qualquer voz ativa na trama, com uma presença até menor do que antes, quando ele parecia um adolescente tardio bem inconveniente.Annette, agora apresentada como uma mística com acesso à magia ancestral, parte em uma jornada astral pelo mundo dos espíritos após ser orientada pela sabedoria de Alucard. Seu objetivo, com isso, é localizar a outra metade da alma da deusa Sekhmet e colocar em xeque a primeira parcela que já está alimentando os poderes da vilã Erszebet.Em contrapartida, Maria Renard assume, na prática, o papel de protagonista mais carismática e consistente da temporada. Com Juste, Tera e o abade Emmanuel funcionando como coadjuvantes que orbitam seu arco de desenvolvimento, sua trajetória de amadurecimento emocional e descoberta de poder pessoal se desenvolve de forma mais fluida e envolvente em largo espectro.Contraditoriamente, essa linha narrativa — que tem pouco impacto direto na progressão da trama principal — acaba sendo a mais interessante de se acompanhar, revelando uma dicotomia clara: o segmento que menos contribui para o avanço do enredo é justamente aquele que se projeta de uma forma menos tediosa para a audiência.Estacionado no meio de

Abr 25, 2025 - 04:23
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Castlevania: Noturno traz segunda temporada covarde, mas ao menos tem animação bonita


Desde sua estreia em 2017, a animação que ostenta o nome Castlevania pode ser assistida sob óticas distintas. Uma delas é encará-la como um produto derivado dos games, esperando menções à mitologia, à própria história e como ela se correlaciona com a nova mídia. A segunda é acompanhá-la como uma produção original, ignorando completamente sua origem e entendê-la como um produto isolado, sem qualquer proposição comparativa a fim de estabelecer um padrão qualitativo. A questão é que, para a segunda temporada de Castlevania: Noturno, nenhuma delas realmente parece fazer sentido. 

Entre idas e vindas, dilemas de personagens que não desembocam em lugar algum e escolhas criativas questionáveis, a nova leva de episódios do desenho animado chancelado pela Netflix revela uma produção esteticamente caprichada, mas emocionalmente vazia, que vacila entre uma promessa de grandiosidade e sua superficialidade narrativa.

É o meme das três cabeças do Rei Ghidorah, mas ao contrário

Após os eventos finais da primeira temporada, as forças malignas lideradas por Erzsebet Báthory tomam o controle da comuna de Manchecoul. No entanto, a súbita aparição de Alucard impede que os antagonistas eliminem de vez os protagonistas, culminando ainda na queda de Drolta, a principal seguidora da vilã. Com esse ponto de virada, o episódio inicial da nova temporada funciona como um interlúdio entre os acontecimentos passados e os novos rumos que a história irá tomar.

Logo no início, acompanhamos um breve flashback que mostra a chegada do filho do Drácula até Erzsebet, após uma série de viagens ao redor do mundo. Paralelamente, Drolta é trazida de volta à vida por meio de um experimento profano conduzido por Emmanuel, o mestre de forja, enquanto o lado do bem, formado por Richter, Maria, Juste, Annette e o meio-vampiro, reagrupam-se a fim de decidir os próximos passos na luta contra as forças das trevas.

A partir desse ponto, a trama se divide em dois núcleos principais — ou três, se considerarmos também as intrigas do lado inimigo. De um lado, Alucard, Richter e Annette partem rumo a Paris para impedir que a cidade também caia sob o domínio da vilã, frustrando assim seu plano de mergulhar o mundo em uma noite eterna. Em uma perspectiva secundária, Maria Renard se vê em um conflito particular depois de contemplar sua mãe se unindo ao lado das trevas e descobrir que o mestre de forja é seu pai.

Os dois principais núcleos narrativos da temporada seguem caminhos paralelos que só se cruzam de fato nos momentos finais, o que dá a impressão de que estamos acompanhando histórias completamente distintas — e com níveis bem diferentes de envolvimento. Delas, a crise pessoal de Maria Renard se destaca, guiada por uma espiral de quase loucura em que a personagem começa a desenvolver seus poderes enquanto é consumida pela sede de vingança contra seu pai. Nesse processo, Juste Belmont tenta agir como uma voz da razão, esforçando-se para convencê-la a não se deixar levar pelos seus sentimentos negativos e destrutivos.

Enquanto isso, o trio itinerante formado por Alucard, Richter e Annete segue uma jornada até Paris, sendo que nenhum dos personagens em questão se mostra tão bem desenvolvido quanto o meio-vampiro. Aqui, mais velho, ele se mostra também mais maduro em relação à sua iteração anterior, mas toda essa ponderação na hora de agir o coloca como um mentor poderoso demais que não pode ser usado à revelia como personagem por claramente desequilibrar a escala do enredo.

Richter, por sua vez, pareceu bastante apagado para alguém que deveria carregar o protagonismo. Enquanto na temporada anterior ele transmitia uma exaustiva energia de rebelde sem causa, aqui ele só surge de forma significativa quando interage com Annette em um romance pouco desenvolvido. Tal como na primeira parte, ele se deixa ser conduzido sem qualquer voz ativa na trama, com uma presença até menor do que antes, quando ele parecia um adolescente tardio bem inconveniente.

Annette, agora apresentada como uma mística com acesso à magia ancestral, parte em uma jornada astral pelo mundo dos espíritos após ser orientada pela sabedoria de Alucard. Seu objetivo, com isso, é localizar a outra metade da alma da deusa Sekhmet e colocar em xeque a primeira parcela que já está alimentando os poderes da vilã Erszebet.

Em contrapartida, Maria Renard assume, na prática, o papel de protagonista mais carismática e consistente da temporada. Com Juste, Tera e o abade Emmanuel funcionando como coadjuvantes que orbitam seu arco de desenvolvimento, sua trajetória de amadurecimento emocional e descoberta de poder pessoal se desenvolve de forma mais fluida e envolvente em largo espectro.

Contraditoriamente, essa linha narrativa — que tem pouco impacto direto na progressão da trama principal — acaba sendo a mais interessante de se acompanhar, revelando uma dicotomia clara: o segmento que menos contribui para o avanço do enredo é justamente aquele que se projeta de uma forma menos tediosa para a audiência.

Estacionado no meio desses dois núcleos há o ponto de vista dos vilões. Drolta, recém-ressuscitada por um ritual profano do abade Emmanuel, agora é capaz de andar sob a luz do sol sem definhar e logo rouba os holofotes para si, postando-se como a principal responsável por colocar nos trilhos o plano de instaurar eclipse eterno para as criaturas da noite. Já Erzsebet, embora devesse assumir a função de antagonista principal, é retratada apenas como uma vilã genérica com síndrome de grandeza que beira o caricatural.

Em paralelo a essas três facetas da história, a temporada despende muito tempo em flashbacks morosos que supostamente justificam todo o culto em torno de Erzsebet como uma deusa. Entretanto, todas essas sequências sinceramente poderiam ter sido reduzidas sem qualquer prejuízo, porque nenhuma delas é suficiente para fazer com que ela ou Drolta se tornem personagens mais divertidas de se acompanhar.

Além disso, há subtramas que parecem existir apenas para cumprir tabela, como todo o drama envolvendo Olrox, o vampiro contra quem Richter havia jurado vingança pelo assassinato de sua mãe. Essa promessa, feita com tanto peso nos minutos iniciais da primeira temporada, é praticamente esquecida ao longo desta segunda e só ressurge de forma apressada no final, com o próprio herói minimizando esse conflito. Esse arco do Olrox, centrado em sua descoberta tardia do amor, parece apenas encaixado no restante da história, sem realmente estar integrado no todo.

O mesmo vale para Edouard. Lembra-se dele? O irmão de Annette transformado em criatura da noite? Sua presença parece mais uma questão de formalidade, uma obrigação narrativa, do que uma inserção com propósito real. Fica claro que ele faz parte de uma série de pontas que os roteiristas precisavam abordar apenas para não deixá-las descaradamente soltas, mas sem que exerçam qualquer impacto verdadeiro no enredo. 

Rondo of Bloodlines

Um dos principais problemas herdados da primeira temporada — e que permanece intocado nesta continuação — é a forma confusa com que Castlevania: Noturno lida com seu material de origem. Como já constatado, há duas formas de acompanhá-la — como fã histórico e como público turista — e ambas falham no objetivo de entregar uma experiência que vá além do blasé.

No caso dos fãs, Noturno tem uma crise de identidade ao não saber exatamente o que está referenciando. Com Richter como protagonista, a expectativa era que o desenho trouxesse o panorama geral de Castlevania: Rondo of Blood. Entretanto, em vez de se apegar a apenas uma fonte, o comitê criativo decidiu incluir Erszbet e Drolta, de Castlevania Bloodlines, e promover uma colcha de retalhos que os fãs, que, por via de regra, são bem apegados à mitologia clássica, não são exatamente afoitos.

Por outro lado, há diversas adaptações que encontraram sucesso justamente ao reinterpretar o material-base com identidade própria, sem todo esse apego às referências originais. O primeiro Castlevania conseguiu se sustentar nessa proposta ao reinventar a mitologia por mesclar elementos de Dracula’s Curse, Symphony of the Night e Curse of Darkness, remetendo até mesmo ao charme de um desenho clássico dos anos 90 — para entender melhor, é só comparar com o que foi feito ao gibi original das Tartarugas Ninja quando eles foram produzir a animação clássica naquela época.

Noturno, por sua vez, não demonstra essa mesma segurança criativa, estacionando em um meio-termo, sem necessariamente mastigar o material de forma apropriada ou o reimaginar por completo a fim de ao menos fazer sentido dentro de sua continuidade própria, por assim dizer. Ele se mostra covarde tanto como adaptação quanto na obra original, o que acaba prejudicando na qualidade do produto entregue.

Ou seja, sem conquistar os fãs tradicionais, o desenho também não consegue chamar a atenção do público geral, apresentando uma história com poucos atrativos e que se sustenta quase que exclusivamente na sua qualidade técnica e animações deslumbrantes. Em alguns momentos, nem mesmo a lógica interna do universo parece se sustentar com firmeza.

A estrutura narrativa dessa segunda temporada se assemelha a um quebra-cabeça cujas peças simplesmente não se encaixam direito — e talvez seja justamente por isso que seu lançamento passou sem fazer qualquer alarde, seja positivo ou negativo. A primeira parte até conseguiu atrair algum falatório como sequência da relativamente bem-sucedida série original, mas, com pouca substância, essa nova leva simplesmente passou em branco.

Aliás, chega a ser quase criminosa a relutância em usar as músicas dos jogos em ambos os desenhos até aqui. As exceções que comprovam a regra se resumem a um remix de Bloody Tears (na série antecessora) e uma utilização de um arranjo do Divine Bloodlines que, embora excelente na primeira temporada, aqui só parece ter sido burocraticamente encaixado, sem muito impacto pela falta de ineditismo. Se bem que reclamar da ausência das trilhas dos games, a essa altura do campeonato, é chover no molhado. 

Tal como um vampiro, é belo, mas não tem alma

Olhando o panorama geral, essa segunda temporada de Castlevania: Noturno carece de um ritmo funcional e consistente. A narrativa oscila entre momentos de tédio, em que virtualmente nada acontece, e injeções de ação que realmente saltam aos olhos e suficientes para despertar o público do efeito sonífero promovido pelo resto.

Um exemplo claro disso é o surto psicótico de Maria contra o abade Emmanuel. Com toda a sua visceralidade, a sequência consegue ser mais funcional na hora de efetivamente comunicar ao público o abismo emocional em que a garota se encontrava do que todo o falatório anterior a ele, quando ela parecia estar encarando apenas uma fase deprimida. Trata-se de um ponto de virada não só para Maria, mas também para o público, que finalmente encontra algum peso dramático em toda a morosidade presenciada até então.

As sequências de combate que dominam os episódios finais seguem o mesmo padrão. São um espetáculo visual, carregadas de técnica na execução no que diz respeito tanto às coreografias quanto à fluidez ou utilização das cores. Entretanto, o caminho até elas é tão raso e superficial que faz com que o clímax em questão perca força.

Assim, todo o impacto que as batalhas contra Drolta e Erszebet poderiam exercer acaba sendo minimizado. Ao contrário da investida de Maria contra seu pai, cujo progresso culmina em um embate significativo e gratificante, o confronto contra as chefes não carrega esse mesmo peso, já que não houve trabalho duro que leva a uma recompensa proporcional.

Com uma produção bem distinta da primeira série protagonizada por Trevor Belmont — ela agora não conta com o dedo da produtora do Adi Shankar, por exemplo —, Castlevania Noturno alcança uma invejável excelência técnica, mas todo esse brilho acaba sendo usado para embalar um conteúdo superficial, covarde em suas decisões narrativas e incapaz de se comprometer com o potencial dramático com o qual flerta em vários momentos, porém nunca parte para o abraço, de fato.

Pelo menos na qualidade de animação os caras se garantem

Olhando em retrospecto, a primeira temporada parecia ser apenas um estágio inicial que iria preparar o terreno para uma história maior, mas essa magnitude prometida não parece ter chegado. O clímax dessa segunda parte é realmente impressionante a um nível de destoar de todo o desenvolvimento prévio e fazer com que seu final apoteótico perdesse toda a força como uma conclusão marcante.

A segunda temporada de Castlevania: Noturno, tentando permanecer neutra visando públicos distintos, fracassa no seu objetivo de causar uma impressão positiva em ambos. Não é exatamente ofensivo, porém é mais uma produção covarde da Netflix que certamente fica para trás no instante em que a próxima entra no catálogo — no caso, um posto assumido por Devil May Cry. 

Revisão: Alessandra Ribeiro.