Análise: Clair Obscur: Expedition 33 impressiona como um belíssimo RPG de turnos dinâmico, moderno e profundo

Quando foi revelado durante na Summer Game Fest 2024, Clair Obscur: Expedition 33 surgiu como uma surpresa. Quem esperaria que um jogo de visual realista ocidental se mostrasse como um RPG de turnos no estilo japonês? E quem pensaria que aquela apresentação suntuosa fosse o trabalho de estreia de uma desenvolvedora francesa independente, a Sandfall Interactive?Ainda, quem esperaria que o lançamento de fato aconteceria menos de um ano após a revelação inusitada? Felizmente, Clair Obscur não ficou só na promessa e tem qualidade de sobra para oferecer em uma aventura que almeja a excelência em cada detalhe.Expedição contra o fim inexorávelA trama já vem com um gancho bem peculiar: um cataclisma chamado de Fratura partiu em pedaços um mundo inspirado na França da Belle Époque. Com isso, apareceu uma entidade gigantesca conhecida como Artífice. Quando desperta, ela escreve um número em um pilar e o apaga um ano depois, fazendo com que todas as pessoas com aquela idade desapareçam como cinzas e pétalas ao vento. A cada ano o número diminui e logo chegará o ponto em que toda a humanidade terá sido extinta.Na esperança de evitar esse fim iminente, as pessoas cujas vidas findarão dentro de um ano ingressam em Expedições para alcançar a Artífice e destruí-la de uma vez por todas. Ano a ano, elas fracassam.O jogo conta a história da Expedição 33, isto é, de indivíduos de 32 anos que preferem perder a vida tentando encontrar uma solução a esperar a morte dentro de alguns meses.Nessa sociedade, as pessoas ainda querem ter filhos e continuar vivendo suas vidas, resignados ao fatalismo implacável. Se, por um lado, esse destino nada mais é que um reflexo da inevitabilidade da morte no nosso mundo real, por outro, em Clair Obscur o fim tem data marcada para todos. É terrível para os habitantes de Lumiére saber que aquela geração não durará muito — imagine uma cidade inteira em que a pessoa mais velha mal passou dos 30 anos e apenas as crianças pequenas ainda têm os pais ao seu lado.É ainda mais opressiva a certeza de que esse número só vai diminuir até que, um dia, a população será jovem demais e não conseguirá dar conta sequer da própria sobrevivência e das crianças até o dia que a Artífice os elimine com o mero apagar de um número.Tal premissa já é bastante misteriosa por si só e traz consigo diversos segredos e reviravoltas ao longo dessa campanha que é épica, trágica, surrealista e até um pouco cômica. Há um longo caminho até descobrirmos o que está por trás desse destino mórbido e da própria Artífice.Os expedicionários partem de Lumiére, uma cidade fantástica baseada em Paris ao ponto de ter versões destruídas da Torre Eiffel e do Arco do Triunfo. Mesmo com referências visuais realistas, a direção de arte puxa para o surreal, deixando escombros flutuantes sobre a cidade e levando a aventura por áreas a um só tempo naturais e insólitas, como uma região que é como o fundo do mar em terra firme — tem algas balançando verticalmente, peixes nadando no nada e até bolhas de ar ascendendo em meio ao… ar.O lado do humor está, principalmente, em entidades excêntricas daquele mundo, especialmente o mítico povo gestral, com seus corpos de madeira, cabeleira de pincel, inteligência questionável e uma eterna predisposição a lutar por qualquer motivo. Junto ao poderoso e ingenuamente adorável Esquie, os gestrais trazem a leveza da ironia divertida e boba, evocando um ar intencionalmente meio ridículo aqui e ali no drama épico de sobrevivência da espécie.Para ajudar a curtir a história, toda ela é muito bem contada pela excelente dublagem em francês e inglês (tem até Andy Serkis no elenco), com direito a textos em português brasileiro.Belle ÉpoqueVisualmente, Clair Obscur é deslumbrante: seus personagens são extremamente detalhados e os ambientes misturam a natureza realista ao design de fantasia moderna, carregando a melancolia de perambular por um mundo tão belo quanto impiedoso, em meio às pilhas de cadáveres aparentemente petrificados das dezenas de expedições anteriores. É o tipo de jogo que não tem medo de mostrar seus elementos bem de perto, com grandes closes nos rostos expressivos de seu elenco e efeitos de luzes e partículas voando para todos os lados.Esse quadro, porém, não é perfeito — ao menos não no PS5. Os dois modos gráficos básicos, Qualidade e Performance, são bem distintos. Comecei jogando no Performance, com boa fluidez dos 60 quadros por segundo.No entanto, para alcançar esse desempenho o jogo faz concessões na resolução que deixa algumas texturas e efeitos com aspecto fervilhante, especialmente nas sombras lançadas pelos cabelos nos rostos dos personagens.Ainda, alguns locais deixam a tela escura demais, o que me levou a configurar gama e brilho para melhorar a situação, algo que é muito raro para mim. Essas limitações são muito mais distrações intrusivas do que empecilhos concretos, mas acabam criando uma disparidade com o grande requinte que há em cada detalhe desse mundo mágico.O efeito negativo é atenuado no

Abr 23, 2025 - 11:42
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Análise: Clair Obscur: Expedition 33 impressiona como um belíssimo RPG de turnos dinâmico, moderno e profundo

Quando foi revelado durante na Summer Game Fest 2024, Clair Obscur: Expedition 33 surgiu como uma surpresa. Quem esperaria que um jogo de visual realista ocidental se mostrasse como um RPG de turnos no estilo japonês? E quem pensaria que aquela apresentação suntuosa fosse o trabalho de estreia de uma desenvolvedora francesa independente, a Sandfall Interactive?

Ainda, quem esperaria que o lançamento de fato aconteceria menos de um ano após a revelação inusitada? Felizmente, Clair Obscur não ficou só na promessa e tem qualidade de sobra para oferecer em uma aventura que almeja a excelência em cada detalhe.



Expedição contra o fim inexorável

A trama já vem com um gancho bem peculiar: um cataclisma chamado de Fratura partiu em pedaços um mundo inspirado na França da Belle Époque. Com isso, apareceu uma entidade gigantesca conhecida como Artífice. Quando desperta, ela escreve um número em um pilar e o apaga um ano depois, fazendo com que todas as pessoas com aquela idade desapareçam como cinzas e pétalas ao vento. A cada ano o número diminui e logo chegará o ponto em que toda a humanidade terá sido extinta.

Na esperança de evitar esse fim iminente, as pessoas cujas vidas findarão dentro de um ano ingressam em Expedições para alcançar a Artífice e destruí-la de uma vez por todas. Ano a ano, elas fracassam.

O jogo conta a história da Expedição 33, isto é, de indivíduos de 32 anos que preferem perder a vida tentando encontrar uma solução a esperar a morte dentro de alguns meses.



Nessa sociedade, as pessoas ainda querem ter filhos e continuar vivendo suas vidas, resignados ao fatalismo implacável. Se, por um lado, esse destino nada mais é que um reflexo da inevitabilidade da morte no nosso mundo real, por outro, em Clair Obscur o fim tem data marcada para todos. É terrível para os habitantes de Lumiére saber que aquela geração não durará muito — imagine uma cidade inteira em que a pessoa mais velha mal passou dos 30 anos e apenas as crianças pequenas ainda têm os pais ao seu lado.

É ainda mais opressiva a certeza de que esse número só vai diminuir até que, um dia, a população será jovem demais e não conseguirá dar conta sequer da própria sobrevivência e das crianças até o dia que a Artífice os elimine com o mero apagar de um número.



Tal premissa já é bastante misteriosa por si só e traz consigo diversos segredos e reviravoltas ao longo dessa campanha que é épica, trágica, surrealista e até um pouco cômica. Há um longo caminho até descobrirmos o que está por trás desse destino mórbido e da própria Artífice.

Os expedicionários partem de Lumiére, uma cidade fantástica baseada em Paris ao ponto de ter versões destruídas da Torre Eiffel e do Arco do Triunfo. Mesmo com referências visuais realistas, a direção de arte puxa para o surreal, deixando escombros flutuantes sobre a cidade e levando a aventura por áreas a um só tempo naturais e insólitas, como uma região que é como o fundo do mar em terra firme — tem algas balançando verticalmente, peixes nadando no nada e até bolhas de ar ascendendo em meio ao… ar.



O lado do humor está, principalmente, em entidades excêntricas daquele mundo, especialmente o mítico povo gestral, com seus corpos de madeira, cabeleira de pincel, inteligência questionável e uma eterna predisposição a lutar por qualquer motivo. Junto ao poderoso e ingenuamente adorável Esquie, os gestrais trazem a leveza da ironia divertida e boba, evocando um ar intencionalmente meio ridículo aqui e ali no drama épico de sobrevivência da espécie.

Para ajudar a curtir a história, toda ela é muito bem contada pela excelente dublagem em francês e inglês (tem até Andy Serkis no elenco), com direito a textos em português brasileiro.



Belle Époque

Visualmente, Clair Obscur é deslumbrante: seus personagens são extremamente detalhados e os ambientes misturam a natureza realista ao design de fantasia moderna, carregando a melancolia de perambular por um mundo tão belo quanto impiedoso, em meio às pilhas de cadáveres aparentemente petrificados das dezenas de expedições anteriores. É o tipo de jogo que não tem medo de mostrar seus elementos bem de perto, com grandes closes nos rostos expressivos de seu elenco e efeitos de luzes e partículas voando para todos os lados.

Esse quadro, porém, não é perfeito — ao menos não no PS5. Os dois modos gráficos básicos, Qualidade e Performance, são bem distintos. Comecei jogando no Performance, com boa fluidez dos 60 quadros por segundo.



No entanto, para alcançar esse desempenho o jogo faz concessões na resolução que deixa algumas texturas e efeitos com aspecto fervilhante, especialmente nas sombras lançadas pelos cabelos nos rostos dos personagens.

Ainda, alguns locais deixam a tela escura demais, o que me levou a configurar gama e brilho para melhorar a situação, algo que é muito raro para mim. Essas limitações são muito mais distrações intrusivas do que empecilhos concretos, mas acabam criando uma disparidade com o grande requinte que há em cada detalhe desse mundo mágico.



O efeito negativo é atenuado no modo Qualidade, em troca de um desempenho básico de 30 quadros por segundo. Usei os dois modos por bastante tempo, mas acabei preferindo o Performance mesmo.

Por fim, boa parte do jogo parece lidar com a luz como um filtro colorido que passa por várias cores e combina com a aura mágica, mas deixa o visual um tanto opaco e até mesmo desbotado, principalmente nos cenários à distância, como um provável recurso para disfarçar a resolução dinâmica na ampla geografia. Por causa disso, foi um pouco difícil escolher imagens dentre as minhas capturas de tela para a análise, uma vez que elas não transmitem toda a exuberância que o jogo apresenta ao vivo.

A trilha musical, por outro lado, sai vitoriosa, sem uma mácula sequer em seu repertório, transitando muito bem entre os pianos melancólicos, belos vocais, orquestras heroicas e até batidas eletrônicas. É uma boa variedade que acerta o tom de cada cena e não cai na repetição durante as batalhas, temperando ainda mais toda a empolgação que esses momentos trazem.



“FRPG”

A essência de Clair Obscur segue elementos clássicos de JRPG, como o já mencionado combate por turnos. Um deles é inusitado: o overworld, uma espécie de mapa do mundo transitável. A fórmula é a mesma: um grande campo com mares, florestas e edificações em miniatura, por onde os personagens fora de proporção poderão viajar de um lugar a outro. É uma abordagem inesperada para um jogo de visuais de tendência realista, criando um contraste peculiar e até agradável, embora abuse dos efeitos de desfoque (novamente, um provável disfarce para a resolução).

O overworld não é atravessado apenas a pé, mas também com um meio de transporte que poderá voar e navegar pelas águas. O veículo em si é um tanto diferente, sendo ele mesmo um personagem aliado, chamado Esquie. Com a forma de um balão inflado, ele é um dos seres mais poderosos daquele mundo, mas é também conhecido como um grande preguiçoso, gerando lendas misteriosas a seu respeito.



O caminho principal é feito de áreas interessantes em suas curvas e cantos escondidos, com muitos itens para encontrar e sempre com algum inimigo mais forte como desafio opcional. Admito que às vezes achei as áreas um pouco confusas, fazendo-me regressar ao local de onde vim quando, na verdade, eu pretendia avançar para a saída. Como não são lugares labirínticos, isso não gerou frustração ou perda de tempo, mas bem que um minimapa ajudaria a se orientar melhor.

Para além dessa trilha obrigatória, Clair Obscur oferece um mundo grande para explorar, repleto de pequenos locais com chefes, minigames de desafio e recompensas. Chega um momento em que o mapa abre com muitas possibilidades, ótimas para quem quer passear a esmo para ver o que vai encontrar. Para quem preferir focar na história central da campanha, basta seguir o marcador do próximo objetivo.



Um combate que costura brilhantemente a ação em turnos e a reação em tempo real

O combate aprofunda uma ideia já vista antes em, por exemplo, Super Mario RPG, mas geralmente pouco explorada: a mistura entre ações por turnos e elementos reativos em tempo real. Tanto os ataques quanto a defesa podem ser incrementados com comandos sincronizados, aumentando a interatividade e criando vantagens que incentivam a acertar o timing das lutas.

Não é uma questão de apenas reduzir o dano recebido: com esquivas precisas nós o evitamos completamente. Alternativamente, podemos optar por tentar aparadas, que exigem mais precisão que as esquivas, mas têm a vantagem de que bloquear toda uma sequência de golpes desencadeia um poderoso contra-ataque.



Um destaque desse sistema é a flexibilidade que permite que enfrentemos até oponentes  mais poderosos do que nós: basta conseguir evitar os ataques. Mesmo eu, que não costumo me dar bem com aparadas em jogos de ação e as evito ao máximo, consegui bloqueios empolgantes que me deram a vantagem e levaram até mesmo a vitórias que pareciam improváveis. Para quem interessar, há três opções de dificuldade, que podem ser modificadas a qualquer momento, além de umas poucas opções de acessibilidade.

Como as lutas são por turnos, temos a vantagem de saber o momento que o inimigo atacará e o que ele fará. Com a concentração toda voltada à animação do oponente para saber a hora certa de apertar um botão de defesa, a aparada não tem as complicações que vemos em jogos de ação livre, como soulslikes e hack and slashes.



Até a forma de selecionar as ações de batalha é fluida, com menus de um botão para cada opção, que podemos apertar em sequência para fazer quase tudo, praticamente eliminando a sensação de navegar por listas, como é comum no gênero — apenas para selecionar inimigos e aliados é que precisamos usar o direcional.

Para aprofundar o vigor das lutas, entra em cena uma câmera dinâmica que vai e vem vigorosamente pelo campo de batalha, mostrando-o por ângulos diferentes e dando closes nas ações realizadas. Tudo isso junto deixa as lutas por turnos mais interativas, fluidas e cinematográficas.



O combate é profundo, com vários sistemas sobrepostos e abordagens bem diferentes para cada personagem. Falo isso de forma positiva, pois contribui para lutas dinâmicas e ativas, sempre divertidas e repletas de momentos empolgantes. No entanto, admito que não entrei a fundo no funcionamento preciso de dois personagens e, embora isso não tenha me impedido de usá-los em batalha, senti que não consegui aproveitar o potencial deles tão bem quanto o da jovem Maelle, por exemplo, que é uma máquina de causar dano.

Finalizei a campanha após 40 horas e fiz muito conteúdo opcional, mas ainda há muito a explorar, descobrir e enfrentar pelo mundo do jogo.

Para não alongar a análise detalhando esses sistemas de batalha e de melhoria de personagens, vou deixá-los para um guia para iniciantes, que publicarei em breve.



“Quando um cai, nós persistimos”

Clair Obscur: Expedition 33 é um RPG de turnos exemplar que acerta em tudo que se propõe. Da bela apresentação visual à construção de mundo, das batalhas dinâmicas e ativas aos profundos sistemas de personalização, é uma obra que sabe aproveitar as estruturas clássicas de JRPG e se destaca por levá-las além em uma abordagem única.



Prós

  • Um sistema de batalha por turnos brilhante, com mecânicas diferentes para cada personagem, elementos ativos em tempo real e câmera cinematográfica;
  • A história e a construção de mundo são excêntricas e intrigantes, bem apresentadas com um elenco de personalidade e excelente dublagem;
  • Os cenários de fantasia surrealista são deslumbrantes e as músicas são primorosas e variadas, guiando o tom de cada momento;
  • Os muitos itens escondidos e minichefes opcionais incentivam a explorar as áreas atentamente;
  • O mapa de mundo no estilo clássico de JRPG é uma adição nostálgica e eficaz para dar uma noção das proporções do continente;
  • Textos em português brasileiro.

Contras

  • Por vezes, os cenários podem ser um pouco confusos de se orientar, o que seria solucionado com a implementação de um minimapa;
  • No PS5, pequenos defeitos visuais são distrações aquém do nível que o jogo apresenta, como as sombras granuladas e trêmulas projetadas nos corpos dos personagens, alguns cenários escuros demais e o que parece ser um filtro luminoso que deixa lugares amplos um tanto opacos.
Clair Obscur: Expedition 33 — PC/PS5/XSX — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Kepler Interactive

Clair Obscur: Expedition 33 9.5 PS5 Clair Obscur: Expedition 33 is an exemplary turn-based RPG that nails everything right. From the beautiful visual presentation to the world-building, from the dynamic and active battles to the deep customization systems, it is a piece of work that knows how to take advantage of classic JRPG structures and stands out for taking them further in a unique approach.