Análise: Undivine se devota à exploração à moda antiga em um metroidvania brasileiro

Tive uma certa dificuldade em concluir a análise de Undivine, um metroidvania sombrio que foi feito por um desenvolvedor solo brasileiro, Wendeoo, da Deadpixel. Enquanto em alguns momentos o jogo parecia que seria sufocado por suas próprias limitações, outros aspectos importantes ao gênero pareciam compensar a experiência com um bom trabalho de exploração e descoberta, no sentido retrô desses termos.A questão é a do copo meio cheio ou meio vazio: entendendo que Undivine está em uma zona limítrofe, é difícil dizer se tende ao lado positivo ou negativo. No fim, cabe à subjetividade decidir e, considerando como eu quis desbravar cada cantinho do Reino, ver o máximo que poderia encontrar por conta própria e completar os três finais, minha posição nessa linha tênue é voltada ao ponto de vista favorável.Um Reino vago como os mistérios sagradosPara começar, Undivine anda na corda bamba em sua narrativa vaga, quase abstrata. Não é que ela seja difícil de entender: jogamos com um Viajante sem nome que se teleporta para um vilarejo assolado por um abismo misterioso. Quem desce para desbravar as profundezas não retorna e, é claro, o Viajante tentará a sorte nesse lugar místico conhecido apenas como Reino.A premissa do estrangeiro enigmático que chega a uma terra antiga e amaldiçoada não é nova, mas serve bem à atmosfera de fantasia sombria. Também contribui para essa identidade, a escrita rebuscada, remetendo a um estilo mais literário e dramático que outros jogos do tipo, o que achei agradável de ler.O problema é que a intenção parece ficar apenas na atmosfera mesmo, uma vez que os NPCs não possuem nome próprio ou características marcantes, sendo apenas recursos narrativos ambulantes no caminho do viajante. Também a construção do mundo permanece apenas nas linhas gerais, evitando uma especificidade que lhe traga mais vividez. No final das contas, há uma história compreensível e até um nome por trás de tudo, mas todo o restante continua enevoado e pouco substancioso.As músicas também entram nesse meio de qualidade incerta. De início, gostei do estilo ao mesmo tempo épico e carregado, mas não demorou até que o formato das composições começasse a me incomodar. Em várias delas, a intensidade vai crescendo gradativa e impetuosamente, com peças que parecem até remeter às do filme Interstellar.O problema é que essas músicas não combinam com os típicos loops de trilha sonora de videogame, uma vez que, ao chegar ao clímax, elas apenas recomeçam, esvaziando o momento de seu sentido. Em resumo, a intensidade musical em loop não consegue encaixar com o que acontece na tela e fica deslocada, como se fossem apenas boas músicas genéricas de trailer executadas em angustiante repetição. Cheguei até a silenciar completamente o som da música de uma área, uma atitude muito rara para mim em jogos. Depois, ativei a música novamente.A exploração merece alguns louvoresFelizmente, assim como a atmosfera sombria alcança seu objetivo, a exploração do subterrâneo do Reino é muito gratificante, no sentido retrô da experiência. É o tipo de metroidvania que, após o início, nos larga à própria sorte, sem qualquer indicação do lado que devemos ir. Em nenhum momento senti que esse design era obtuso ou desnecessariamente obscuro, pois a progressão é bastante intuitiva e, sempre que conseguia uma nova habilidade, eu sabia exatamente onde usá-la para avançar ainda mais.Pouco a pouco, o mundo se abre perante o Viajante, conduzindo por áreas diferentes entre si tanto nos inimigos e armadilhas quanto no visual. Esta parte depende muito do gosto, pois a pixel art de parcos detalhes pode até ser eficaz para a atmosfera, mas nunca encanta, impressiona ou mesmo exprime uma identidade que lhe seja particular.O HUD é organizado, mas esteticamente básico; os blocos que formam os cenários de uma mesma área são repetitivos e, além disso, as animações são fluidas apenas na medida permitida por seus modelos de personagens de poucos pixels. Ou seja, cada parte faz seu trabalho decentemente, mas nada deixa sua marca.Com a mesmice dos cenários de fundo e o mapa pouco detalhado, a solução que encontrei para registrar os locais de interesse foi usar a captura de tela do PS5. O sistema de viagem rápida também não é muito generoso, tendo apenas um ponto por área.Assim, o incentivo maior é a própria ideia de explorar e descobrir o que há escondido por lá, seja uma habilidade, equipamento novo, melhoria de atributo, livro para desbloquear Talentos ou colecionável de referência a outros jogos que inspiraram Undivine. Um ponto bem-aplicado é a forma como as pequenas melhorias são relevantes. Uma vez que os atributos apresentam números muito baixos, cada ganho representa um aumento que faz diferença real, incentivando o investimento.Essa característica foi boa para compensar a frustração com certas mortes repetidas. Como quase todas as áreas só têm um ponto de salvamento, alguns segmentos foram dolorosos de passar, tentativa após tentativa. O problema é que praticamente todo o p

Mai 21, 2025 - 01:10
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Análise: Undivine se devota à exploração à moda antiga em um metroidvania brasileiro

Tive uma certa dificuldade em concluir a análise de Undivine, um metroidvania sombrio que foi feito por um desenvolvedor solo brasileiro, Wendeoo, da Deadpixel. Enquanto em alguns momentos o jogo parecia que seria sufocado por suas próprias limitações, outros aspectos importantes ao gênero pareciam compensar a experiência com um bom trabalho de exploração e descoberta, no sentido retrô desses termos.

A questão é a do copo meio cheio ou meio vazio: entendendo que Undivine está em uma zona limítrofe, é difícil dizer se tende ao lado positivo ou negativo. No fim, cabe à subjetividade decidir e, considerando como eu quis desbravar cada cantinho do Reino, ver o máximo que poderia encontrar por conta própria e completar os três finais, minha posição nessa linha tênue é voltada ao ponto de vista favorável.



Um Reino vago como os mistérios sagrados

Para começar, Undivine anda na corda bamba em sua narrativa vaga, quase abstrata. Não é que ela seja difícil de entender: jogamos com um Viajante sem nome que se teleporta para um vilarejo assolado por um abismo misterioso. Quem desce para desbravar as profundezas não retorna e, é claro, o Viajante tentará a sorte nesse lugar místico conhecido apenas como Reino.

A premissa do estrangeiro enigmático que chega a uma terra antiga e amaldiçoada não é nova, mas serve bem à atmosfera de fantasia sombria. Também contribui para essa identidade, a escrita rebuscada, remetendo a um estilo mais literário e dramático que outros jogos do tipo, o que achei agradável de ler.



O problema é que a intenção parece ficar apenas na atmosfera mesmo, uma vez que os NPCs não possuem nome próprio ou características marcantes, sendo apenas recursos narrativos ambulantes no caminho do viajante. Também a construção do mundo permanece apenas nas linhas gerais, evitando uma especificidade que lhe traga mais vividez. No final das contas, há uma história compreensível e até um nome por trás de tudo, mas todo o restante continua enevoado e pouco substancioso.

As músicas também entram nesse meio de qualidade incerta. De início, gostei do estilo ao mesmo tempo épico e carregado, mas não demorou até que o formato das composições começasse a me incomodar. Em várias delas, a intensidade vai crescendo gradativa e impetuosamente, com peças que parecem até remeter às do filme Interstellar.

O problema é que essas músicas não combinam com os típicos loops de trilha sonora de videogame, uma vez que, ao chegar ao clímax, elas apenas recomeçam, esvaziando o momento de seu sentido. Em resumo, a intensidade musical em loop não consegue encaixar com o que acontece na tela e fica deslocada, como se fossem apenas boas músicas genéricas de trailer executadas em angustiante repetição. Cheguei até a silenciar completamente o som da música de uma área, uma atitude muito rara para mim em jogos. Depois, ativei a música novamente.



A exploração merece alguns louvores

Felizmente, assim como a atmosfera sombria alcança seu objetivo, a exploração do subterrâneo do Reino é muito gratificante, no sentido retrô da experiência. É o tipo de metroidvania que, após o início, nos larga à própria sorte, sem qualquer indicação do lado que devemos ir. Em nenhum momento senti que esse design era obtuso ou desnecessariamente obscuro, pois a progressão é bastante intuitiva e, sempre que conseguia uma nova habilidade, eu sabia exatamente onde usá-la para avançar ainda mais.

Pouco a pouco, o mundo se abre perante o Viajante, conduzindo por áreas diferentes entre si tanto nos inimigos e armadilhas quanto no visual. Esta parte depende muito do gosto, pois a pixel art de parcos detalhes pode até ser eficaz para a atmosfera, mas nunca encanta, impressiona ou mesmo exprime uma identidade que lhe seja particular.



O HUD é organizado, mas esteticamente básico; os blocos que formam os cenários de uma mesma área são repetitivos e, além disso, as animações são fluidas apenas na medida permitida por seus modelos de personagens de poucos pixels. Ou seja, cada parte faz seu trabalho decentemente, mas nada deixa sua marca.

Com a mesmice dos cenários de fundo e o mapa pouco detalhado, a solução que encontrei para registrar os locais de interesse foi usar a captura de tela do PS5. O sistema de viagem rápida também não é muito generoso, tendo apenas um ponto por área.



Assim, o incentivo maior é a própria ideia de explorar e descobrir o que há escondido por lá, seja uma habilidade, equipamento novo, melhoria de atributo, livro para desbloquear Talentos ou colecionável de referência a outros jogos que inspiraram Undivine. Um ponto bem-aplicado é a forma como as pequenas melhorias são relevantes. Uma vez que os atributos apresentam números muito baixos, cada ganho representa um aumento que faz diferença real, incentivando o investimento.

Essa característica foi boa para compensar a frustração com certas mortes repetidas. Como quase todas as áreas só têm um ponto de salvamento, alguns segmentos foram dolorosos de passar, tentativa após tentativa. O problema é que praticamente todo o progresso desde o último ponto de salvamento é perdido ao morrer, com a exceção de salas do mapa e chefes derrotados. Todo o resto se vai, como os itens adquiridos, pontos de Talento e fragmentos que servem de dinheiro, fazendo com que a morte se torne sinônimo de tempo perdido.



Da metade em diante, porém, já de posse de certas habilidades de proteção, o fluxo ficou mais contínuo e, as mortes, infrequentes, mostrando os resultados das melhorias alcançadas pelo Viajante ao longo da campanha.

Com esse formato de liberdade para descobrir para onde devemos seguir, Undivine oferece uma estrutura consistente e coesa que conseguiu me convencer apesar das limitações. Alcancei o primeiro final da campanha em seis horas e, de imediato, continuei jogando para cumprir os requisitos para realizar os dois outros finais. A soma total chegou a oito horas, embora os troféus restantes demonstrem que ainda me falta concluir duas missões secundárias e encontrar um chefe.



Combate nada divino

O combate segue a mesma pegada de remeter a tempos mais antigos, mas pende para o lado menos interessante de Undivine ao empregar mecânicas simples e rasas, que peca em não ser atraente nem nas batalhas contra os chefes.

Temos o ataque de curta distância e o de longa, além de gerenciar um medidor de Mácula, a energia mágica do Reino, consumida para usar habilidades. Pronto, não vai muito além disso. Os inimigos apresentam padrões semelhantes, mas os golpes de perto são desajeitados, parecendo ataques automáticos ativados quando as criaturas conseguem ficar próximas demais do Viajante.



Ou seja, os inimigos comuns não têm animação com indicação do ataque, não há botão de defesa nem de esquiva. Não há dano por contato, mas os desvios são questão de estatística, evitando receber dano de acordo com o atributo de evasão.

Isso leva a uma situação de combate genérica e recorrente de manter distância do inimigo o suficiente apenas para a ponta da espada acertá-lo e, se ele conseguir se aproximar demais, começar a pular enquanto ataca para tentar evitar ficar na área de ação do oponente, que, geralmente, é apenas a área do sprite dele.

No fim, é um combate funcional, mas desajeitado e pouco variado. Os chefões melhoram e até requerem abordagens mais dinâmicas, mas ainda ficam abaixo da média.



Não é um jogo divino, mas é bom devoto da fé metroidvania 

Ainda que funcione sem grandes problemas, Undivine tem limitações de design que quase comprometem a experiência em geral. O que compensa é a abordagem retrô na exploração de um mundo de metroidvania atmosférico, coeso, bem estruturado e intuitivo, deixando as descobertas a cargo de quem joga, sem guiar nem segurar na mão.

Prós

  • A exploração conduz o ritmo da campanha, valorizando as descobertas e a agência de quem joga;
  • Com seu estilo rebuscado, a escrita remete à literatura de fantasia sombria e é agradável de ler;
  • A atmosfera instiga a avançar cada vez mais nas profundezas;
  • Textos em português brasileiro. 

Contras

  • A cadência musical é repetitiva e não encaixa com os diferentes momentos da campanha;
  • Embora cada área seja visualmente distinta das outras, seus elementos internos são repetitivos;
  • Combate de pouca variedade e um pouco desajeitado, inclusive nas lutas contras chefes;
  • A construção do mundo cumpre seu papel básico, mas não aproveita seu potencial de aprofundamento.
Undivine — PC/PS5/PS4/XSX/XBO/Switch — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Brainium Games
Undivine 6.5 PS5 Even though it works without major problems, Undivine has design limitations that almost compromise the overall experience. What makes up for this situation is the retro approach to exploring a cohesive and well-structured metroidvania world, which leaves the intuitive discoveries up to the player, without guidance or hand-holding.