GameBlast: Vou ter que começar com uma pergunta burocrática: para quem
ainda não conhece o A.I.L.A, como vocês, no papel de desenvolvimento, não
marketing, descreveriam o jogo?
Fabio Martins: O A.I.L.A é basicamente um survival horror em primeira
pessoa. A gente tenta trazer bastante influência de Resident Evil e outros
grandes clássicos do terror que a gente trabalha. Aí basicamente tomamos
esse discurso como princípio para trazer uma narrativa diferente em que
abordamos essa questão das IAs e como elas podem estar influenciando o mundo
num futuro próximo.
Basicamente, a gente gosta de misturar a parte tecnológica, mas não é um
jogo sci-fi, é algo que a gente gosta de deixar bem claro. É um survival
horror de uma forma um pouco mais tradicional, mas a gente traz essa questão
tecnológica para a narrativa, trazendo a questão do
Black Mirror, como você
usa a tecnologia para trazer o terror para o dia a dia das pessoas.
Então o A.I.L.A é quase como um jogo que traz uma mistura de várias coisas,
criando um survival horror tradicional e uma narrativa mais inovadora nessa
questão.
GameBlast: O A.I.L.A então acaba sendo um título bastante
metalinguístico. De quebra, a jogabilidade acaba referenciando várias
franquias clássicas distintas de games de terror. Como é promover essa
espécie de mosaico entre estilos diferentes na própria jogabilidade?
Pergunto porque Resident Evil é uma coisa, Silent Hill é outra, né? Como
promover esse diálogo?
Martins: Eu acho que isso tudo acaba se conectando por causa da
premissa do jogo. Nele, a gente joga como Samuel, o nosso personagem
principal. Ele é um beta tester, é um cara que testa novas tecnologias, e
recebe essa inteligência artificial chamada A.I.L.A. Ela foi desenvolvida
para criar jogos de terror com base na experiência do usuário. Ela analisa o
que o usuário tem medo, o que está na cabeça dele, para criar um jogo de
terror personalizado. A partir dessa interação do Samuel com a A.I.L.A, ela
vai criando experiências de terror para ele testar.
É aí que a gente entra nessa parte da metalinguagem, literalmente um
metajogo. Um jogo dentro do jogo. O Samuel vai testar a experiência que a
A.I.L.A e é nelas que a gente tem a liberdade de brincar um pouco com essa
questão dos estilos, brincar um pouco com o visual.
Em algum momento, a A.I.L.A vai criar para ele uma experiência que se passa
no mundo medieval, de repente, você pode ir para outra para um tema mais
industrial, ou para uma floresta escura. A gente acaba pegando visuais e
referências de diferentes estilos e conseguimos conectar isso porque há
minijogos dentro do nosso jogo. Em um focamos mais no que é um Resident Evil
clássico, em outro, podemos focar mais no lado psicológico, [como]
P.T.: Silent Hills, ou algo assim.
Esses jogos vão fazer sentido na história como um todo. Em termos de
gameplay, eles funcionam porque eles literalmente são minijogos. Jogou o do
Resident Evil? Você volta, interage com a A.I.L.A, tem toda aquela parte do
“mundo real”, entre aspas, onde o Samuel existe. Aí, ao voltar, na próxima
referência, é um tipo de gameplay diferente. Para quem conhece, para quem é
fã desses tipos e gêneros, a ideia é trazer esse conceito na cabeça das
pessoas, de estar jogando vários estilos diferentes dentro do mesmo jogo.
GameBlast: Analisando o nome do jogo, o logo, a gente percebe que A.I.L.A
é um nome fácil e direto, mas também um acrônimo. Eu queria entender um
pouco mais se isso é algo que vocês podem já comentar ou especificar a
respeito, porque é algo que me chamou atenção.
Martins: Ela é um acrônimo. A.I.L.A significa Artificial
Intelligente of Ludic Applications. Uma aplicação para criar coisas lúdicas
para as pessoas. Ela é uma tecnologia, é mostrada no jogo com uma
representação física dentro do mundo virtual, obviamente, e é um personagem
com quem você interage, conversa com ela cara a cara. O personagem se chama
A.I.L.A, mas, ao mesmo tempo, é a tecnologia da inteligência artificial por
trás de tudo isso que está sendo criado. O que a gente vê é a personificação
dessa tecnologia.
GameBlast: Eu pergunto isso também porque isso também me lembra de outro
jogo também atmosférico em que o jogador também antagoniza com uma
inteligência artificial e que também é um acrônimo, no caso, é a
SHODAN do System Shock. Você até mencionou que não se trata de uma
ficção científica, mas ao mesmo tempo é um jogo de horror bem importante e
que ninguém lembra.
Martins: Isso é verdade e faz muito sentido. A gente sempre
tenta pontuar porque a ficção científica está completamente embutida no jogo
porque é isso: uma inteligência artificial, o próprio acrônimo, toda a
identidade visual remete um pouco a isso.
Ainda assim, acima de tudo, o A.I.L.A ainda é um jogo de terror. Gostamos de
nos enquadrar mais como jogo de terror do que como ficção científica. Até
porque a ficção em si está mais presente durante a vida real do Samuel, o
apartamento dele, e não chega a ser uma ficção científica muito futurista
porque ele está próximo, apenas dez anos no futuro. Ele é quase como se
fosse uma brincadeira para tentar imaginar o que poderia ser o mundo daqui a
dez anos, com as IAs, na forma como elas estão avançando e coisas do
tipo.
Quando a gente passa a entrar nas experiências que a A.I.L.A cria para o
Samuel, se analisarmos somente o jogo, por si só, ele já perde essa questão
da ficção científica porque é isso: estamos em um cenário medieval, com uma
espada, matando zumbis. Ali não tem nada de sci-fi. O jogo como um todo tem
sua temática contida, fechada nele, e a ficção científica acaba se
refletindo mais com o desenrolar da história e como a narrativa se
desenvolve.
GameBlast: Levando em conta a premissa da própria A.I.L.A ser, dentro da
narrativa, capaz de criar experiências de terror através de vários inputs
do personagem testador, até onde vocês, como desenvolvedores,
implementaram sistemas interativos que analisam ou não o comportamento do
jogador fora da tela a fim de eventualmente personalizar a experiência
final? A premissa, é óbvio, que a A.I.L.A vai criar situações distintas,
mas o jogo em si vai ter alguma prerrogativa de situações procedurais, não
necessariamente por IAs gerativas?
Martins: É uma ideia mais linear. É uma história mais linear que
aborda o que envolve o mundo do Samuel. Existem escolhas, coisas que
direcionam o jogador a encaminhamentos diferentes, finais diferentes, mas em
termos generativos mesmo, não. O jogo é uma história linear, mantendo o
mesmo fluxo, até porque nós, como estúdio pequeno, não conseguimos fazer
essa gama de ramificações que seguir por um caminho desses exigiria.
É por isso que a gente optou por ser um pouco mais conservador nesse ponto.
A A.I.L.A é um personagem e está trabalhando com o Samuel. As escolhas do
jogador vão ter consequências, mas elas serão refletidas um pouco mais para
o final do jogo. Lá é onde a gente começa a ramificar mesmo em diferentes
finais.
GameBlast: O jogo se passa em São Paulo. Sem romantizar a questão da
representação brasileira, vou fazer a pergunta de uma forma bem direta:
por que São Paulo?
Martins: É bem simples, na verdade: é porque a gente é de São
Paulo. O fato de se passar em São Paulo é bem irrelevante. Ele não faz muita
diferença para o jogo em si. Poderia ser em qualquer lugar do mundo, uma vez
que o game como um todo se passa basicamente no apartamento do Samuel e nas
experiências que a A.I.L.A cria, cujas localizações são irrelevantes. Então
só escolhemos São Paulo porque somos brasileiros, estamos aqui em São Paulo
e para a gente faz mais sentido estar nisso, mas poderia ser em qualquer
lugar do mundo.
GameBlast: Poderia ser um lugar fictício, então?
Martins: Isso, a história ia ser exatamente a mesma e ia
funcionar do mesmo jeito.
GameBlast: Eu pergunto isso também porque o A.I.L.A parece utilizar com
sucesso uma abordagem temática que acessa um gosto internacional. Aí seria
legar conversar o posicionamento de vocês em relação a esse mercado do
mundo todo.
Martins: A gente sempre fala que queremos fazer um jogo
que não seja reconhecido como “um jogo brasileiro bom”, a gente quer fazer
“um jogo bom”, que seja reconhecido como um produto de qualidade, seja onde
ele estiver no mundo. É óbvio que trazemos um pouquinho da nossa cultura, do
que temos aqui, mas tentamos trabalhar também de uma forma internacional
porque grande parte, a maior parte do nosso público acaba vindo de
fora.
Considerando quem consome esse tipo de jogo, o Brasil não sustentaria uma
venda dessa para a gente. Então temos que trabalhar de uma forma para
entender o que o público lá de fora gosta. Para isso, nossa referência
básica é pegar uma análise do que esses jogos famosos estão fazendo, como
eles estão dando certo. “Ah, o Resident Evil trabalha de forma X, Y e Z”.
Tá, o que a gente consegue extrair disso para o nosso jogo e adaptar um
pouco para o nosso estilo? Obviamente não estamos só olhando e copiando para
fazer igual. Estamos tentando entender o que ali funcionou e foi bem
recebido para o público, de forma internacional, e saber como isso se
encaixa no nosso jogo.
Então, basicamente, acaba sendo esse trabalho de analisar jogos que tiveram
sucesso, agradaram o público e entender o que eles acertaram para tentarmos
fazer algo parecido.
GameBlast: Aqui na gamescom vocês estão expostos, por assim dizer, no
estande da Nvidia. O que é possível inferir dessa parceria? O que leva a
Nvidia a ter esse interesse em dar espaço para o A.I.L.A?
Martins: A gente tem uma parceria com a Nvidia desde o lançamento do Fobia.
Também fizemos isso com a Pichau Computadores, toda uma parceria. Desde o
começo, eles fornecem hardware para conseguirmos trabalhar, termos a melhor
tecnologia disponível para podermos desenvolver da melhor forma.
Ao mesmo tempo, entendemos que, embora tenhamos essa tecnologia com a gente,
o público nem sempre vai ter. Então precisamos ter isso em mente que, por
mais que tenhamos essa parceria com eles, que possamos ter uma placa mais
high end para jogarmos o game, [o A.I.L.A] precisa rodar em setups menos
potentes.
Ou seja, mesmo com essa parceria com a Nvidia, isso não muda tanto a forma
como abordamos o jogo. Queremos tentar fazê-lo da forma mais otimizada
possível, [dentro do] maior espectro possível de possibilidades para as
pessoas jogarem. Em termos práticos, de desenvolvimento, é bem
tranquilo.
A Nvidia é bem tranquila também. Há algumas possibilidades de tecnologia
dela que queremos implementar no jogo, mas em termos de desenvolvimento muda
muito pouco porque sabemos que quanto mais pessoas conseguirmos atingir com
o jogo, melhor. Sem focar apenas nessas placas high end que sabemos
que, hoje em dia, não é necessariamente a maioria da população.
GameBlast: Antes do A.I.L.A, vocês chegaram a desenvolver o Fobia - St.
Dinfna Hotel. O que levou vocês a continuarem no gênero de terror e, além
disso, quais foram os principais aprendizados que vocês levaram do Fobia
para o desenvolvimento do A.I.L.A? Pergunto de maneira ampla, pode ser na
questão de processos, quantidade de gente envolvida, organização do fluxo
de trabalho e funções, etc.
Martins: Falando um pouco do horror primeiro, eu acho que foi um
caminho natural. Somos fãs do gênero, seja jogos, filmes, no que for. O
Fobia foi algo que gostamos de fazer e começamos a criar um público, a criar
uma identidade, né? Então, creio que faria sentido manter esse público,
manter essa identidade. É o que gostamos de fazer, então queremos nos manter
nesse nicho de horror e nos estabelecer como uma desenvolvedora de jogos de
horror. É o que gostamos de fazer e o que, pelo menos, a gente acha que sabe
fazer, então estamos aí trabalhando nessa parte.
Falando de aprendizado, Fobia foi o nosso primeiro jogo como empresa e vemos
tudo o que passamos, de todo o processo — desde o começo do esboço, do
desenvolvimento, da parte burocrática envolvendo a relação com as first
parties, como a PlayStation, a Xbox, a Steam —, nós entendemos como funciona
essa dinâmica, de qual é a melhor forma de conversar com tais pessoas, de
como é nossa relação com as publishers, uma vez que tivemos uma no Fobia e
estamos com outra no A.I.L.A.
Entendemos bastante do processo para crescermos como empresa mesmo, na parte
de gerenciamento, e para nos ajudar com o que estamos fazendo agora. No
Fobia, nós tínhamos oito pessoas trabalhando, hoje, no A.I.L.A, temos vinte
e cinco. É um salto muito grande de um projeto para outro. Para conseguirmos
gerenciar, entender como melhor trabalhar melhor como equipe, o Fobia deu
toda uma base para entendermos como que a gente consegue se organizar da
melhor forma para fazer isso fluir.
Até tecnicamente. Sabemos que o Fobia deu certo, teve feedbacks muito
positivos, mas entende que muita coisa ali pode ser melhorada. Muita coisa,
a nível técnico, sabemos que falhamos, que poderíamos melhorar. É nisso que
estamos nos pontuando. “Olha, o feedback do Fobia foi que o combate talvez
fosse um pouco limitado demais, sem possibilidades, então o que entendemos
daqui para fazermos melhor no A.I.L.A?”.
Tecnicamente falando mesmo, aprendemos muitas coisas, do que o jogador
gosta, o que ele gostaria de ver, então tentamos nos pontuar nisso para
trazer o que já estamos fazendo no A.I.L.A agora. Pegar tudo o que fizemos
no Fobia e melhorar como produto.
GameBlast: Partindo da última resposta, vocês comentaram que querem
traçar essa identidade, mas era justamente a minha próxima pergunta: vocês
se veem experimentando novos gêneros e estilos de jogabilidade em um
futuro pós A.I.L.A? Talvez até dentro do horror, já que existem outros
gêneros, como aquele mais trasheira, que não é bem medo, por exemplo.
Acredito que o próprio A.I.L.A já brinque um pouco com isso. Conseguem se
ver dentro desses tipos de horror ou mesmo completamente fora dele? Nem
por obrigação, não apenas se vendo, mas também se sentem estimulados por
vontade própria?
Martins: Sim, nunca gostamos de fechar nenhum tipo de porta. Vontade até
temos, com certeza. Eventualmente, a nossa tendência é evoluir nossos
projetos, tentar experimentar coisas diferentes. Hoje, estamos fazendo o
nosso segundo jogo em primeira pessoa, então, quem sabe, no próximo projeto,
se não queremos experimentar uma forma diferente, um horror que não seja em
primeira pessoa, algo em terceira [pessoa]. Queremos estar sempre evoluindo
dessa forma.
Isso que você falou, um horror diferente, é algo muito legal, a porta está
completamente aberta para trabalharmos com qualquer tipo de horror. Mesmo
outros jogos, embora não tenhamos planos específicos para abrir para um jogo
mais casual, muito porque nossa equipe ainda não comporta isso de muitas
coisas ao mesmo tempo, mas eu sou totalmente aberto a essa ideia. Eu a vejo
crescendo não só jogo de horror, eu sou muito fã de qualquer tipo de coisa.
Meus jogos favoritos são Super Mario.
Então, sim, eu me vejo muito trabalhando nesse tipo de jogo. Tenho vontade
também. Contudo, estamos num processo em que a gente quer ficar um pouco
mais focado nesse nicho para estabelecer o nosso nome. Aí, quem sabe, com a
companhia um pouco mais estabelecida, rodando da forma como deveria, talvez
consigamos expandir e, quem sabe, brincar com outros gêneros também.
GameBlast: Para encerrar e fechar o ciclo da coisa, mais uma pergunta
mais direta e clichê: o PC é a plataforma que a gente já tem certeza por
conta do Steam, mas há previsão de chegar em consoles? E uma janela de
lançamento mais específica além de 2025? Já dá para apostar em alguma?
Martins: Quanto às plataformas, o PC é a única anunciada.
Estamos trabalhando em relação a todas as outras plataformas possíveis, mas
não temos nenhuma informação oficial para divulgarmos no momento. Estamos
trabalhando com a nossa publisher para ver como que a gente consegue para
levá-lo para a maior quantidade de plataformas possíveis, é o que
gostaríamos, mas hoje só podemos confirmar o PC.
Em termos de lançamento, também não temos uma data certa, fechada, mas a
janela é esse ano. Garantimos que o jogo vai sair esse ano, só não
conseguimos especificar uma data exata.
GameBlast: Só um adendo: vocês chegaram a comentar que trocaram de
publisher. O que levou a isso? Como vocês se enxergam em cada
uma?
Martins: Hoje, estamos trabalhando com a Fireshine Games, que é
da Inglaterra. No Fobia, nós trabalhamos com a Maximum, dos Estados Unidos.
A mudança acabou acontecendo de uma forma que gostaríamos até para expandir
a nossa questão de conhecimento, de trabalho, de como é trabalhar com
equipes diferentes.
No pós-lançamento do Fobia, até chegamos a conversar com a Maximum sobre
possibilidades para o futuro, mas acabamos optando, em negociações — e
conversamos com várias publishers até fecharmos com uma —, analisando as
possibilidades disponíveis, por mudar mais por uma questão de que, para nós,
como empresa, vai ser mais interessante trabalhar com um time diferente, com
uma cultura diferente de trabalho.
Está sendo um trabalho bem legal, está valendo a pena. Foi uma parceria
legal e acho que essa mudança é boa para a gente como empresa, como um todo.
GameBlast: Agora, para encerrar de verdade: mais algum recado que você
queira deixar por livre e espontânea vontade? Ou que você queria falar
sobre e ninguém faz a pergunta?
Martins: Acho que é bem simples: tudo o que pedimos para o
pessoal que se interessa, que gosta do jogo, que quer nos acompanhar:
acompanhe-nos nas redes sociais e, principalmente,
adicione-nos na wishlist do Steam. A lista de desejos é a nossa grande métrica para que nós
consigamos nos ranquear bem. Quanto mais números ali, mais o Steam divulga
nosso jogo para o mundo. Para nós, é um número muito importante e é de
graça, é só entrar lá e dar um clique. Com isso, você também recebe
notícias do jogo, então, conforme nós formos divulgando algo, a própria
Steam vai avisando das atualizações.
Então, quem tiver interesse, siga-nos lá. Nos próximos dias, semanas, vai
ter muita novidade legal saindo. Esperamos anunciar coisas boas em um futuro
próximo.