Análise: Lost Records: Bloom & Rage Tape 2 é uma conclusão relativamente decepcionante, mas que ainda tem seu valor

Eu mal cheguei à casa das dezenas na lista de jogos que zerei em 2025, mas a primeira parte de Lost Records: Bloom & Rage foi uma das experiências mais especiais que tive nesse começo de ano, um sucessor legítimo da franquia que colocou a Don’t Nod no mapa. Chegar ao dramático final da Tape 1 trouxe a promessa de mais: assim como nos tempos dos primeiros Life is Strange, o fandom teve um bom tempo para digerir os acontecimentos apresentados e criar as próprias teorias sobre a conclusão iminente.Agora, tendo rolado créditos na Tape 2, tenho a impressão de que muito do que eu havia criado na minha cabeça era uma versão mais interessante do que o que recebemos. É hipérbole, mas o fato é que as soluções definitivas são mais mundanas do que pareciam — contudo, nada do que fez a Tape 1 tão especial exatamente se perde. São opiniões aparentemente opostas, mas eu explico:Anteriormente em Velvet Cove…Recomeçamos a partir de um certo evento, o começo do fim do verão de 1993: Swann, Nora, Autumn e Kat, as quatro integrantes da banda/grupo de amigas Bloom & Rage, são separadas à força por uma série de circunstâncias. A tensão, antes desenvolvida lentamente ao longo da primeira parte, chega de bate-pronto: quando controlamos a Swann adolescente, é possível sentir o que ela está sentindo — desespero, solidão, falta de rumo — com perfeita sintonia. Essa é a toada da Tape 2, que tem o título apropriado de “Rage”. Se antes estávamos construindo algo, aqui o destino chega com uma bola de demolição. O ritmo do enredo, como consequência, é bem mais rápido; com o perdão da palavra, é desgraça atrás de desgraça. Existe, contudo, um balanceamento cuidadoso do tom da narrativa, que impede a sensação de exagero. Nesse ínterim, a trilha sonora também age perfeitamente ao regular as emoções de cada cena.A estrela do show é o sistema de escolhas. Trazendo de volta a comparação com Life is Strange, uma das maiores críticas dos fãs ao final do primeiro jogo é que ele se resume a duas opções: não importa qual for selecionada, várias escolhas anteriores se tornam completamente irrelevantes. Não é o que acontece aqui. Em Bloom & Rage, cada coisinha importa: por exemplo, existem nove jeitos de uma certa cena do clímax se desenrolar, todos dependendo de uma série de decisões que o jogo coleciona ao longo da história.O design de narrativa também é muito mais recompensador. Em dado momento, precisamos ajudar uma amiga a encontrar as coisas que deixou espalhadas no cantinho secreto do grupo: essa é a hora de provar que a conhece bem, já que identificar alguns itens depende de ter prestado atenção à personagem na Tape 1. É também mais um dos inúmeros momentos que me fazem acreditar que essas são pessoas de verdade, com gostos e hábitos bem específicos.Infelizmente, o final que consegui não foi dos mais interessantes. Talvez parte disso tenha sido influenciada pelas minhas escolhas, mas senti que mesmo a base dos acontecimentos não foi bem explorada, que o impacto emocional não chegou como deveria. É possível que minhas expectativas só tenham sido traídas, mesmo; afinal, eu esperava algo bem mais devastador e recebi algo que, além de tudo, me deixou com mais perguntas do que respostas. Talvez valha a pena rejogar e buscar um novo desfecho.Problemas técnicos, problemas técnicos por toda parteO que mais assola a Tape 2, contudo, é a parte “jogo” da experiência. Os segmentos de filmagem ainda são fantásticos, apesar de um pouco mais esparsos; essa parte não mudou muito. Também temos uma nova fase estilo “Tetris de inventário” que é divertidíssima (me orgulho de ter conseguido a conquista de speedrun de primeira). O problema começa a aparecer nela, a mais temida: a tela de stealth que todo jogo do gênero aventura insiste em enfiar na história a todo custo (apesar de ser bem integrada à história, neste caso).Nessa sequência já relativamente infame, precisamos nos esgueirar por um jardim atrás de um certo objetivo. Até aí, tudo bem — o problema é que a IA do nosso homem-obstáculo tem visão biônica. Mesmo quando parece que dá para seguir com segurança, ele de repente percebe a presença da coitada da Swann e temos de fazer tudo de novo. Talvez este segmento da análise me coloque no famoso estereótipo de que jornalistas de games não são bons em jogos, mas senti uma séria injustiça. Pior ainda: como os trechos do passado são memórias que as amigas tentam reconstruir, falhar repetidamente faz com que sua interlocutora perca a paciência e desista de confrontar esse trauma. Entendo o propósito narrativo, mas me senti extremamente idiota quando fui impedida de conseguir um final melhor por um motivo tão besta. Elas não podiam simplesmente ter concordado que atravessaram o jardim sem problema e pular a fase? Precisava de tudo isso?Quanto às falhas mais objetivas, por outro lado, todos os problemas que listei na análise da Tape 1 continuam em posição. Nada de registro de conversas (e as falas ainda se atravessam), nada de salvamento manual, a textura da blusa da

Abr 27, 2025 - 14:15
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Análise: Lost Records: Bloom & Rage Tape 2 é uma conclusão relativamente decepcionante, mas que ainda tem seu valor

Eu mal cheguei à casa das dezenas na lista de jogos que zerei em 2025, mas a primeira parte de Lost Records: Bloom & Rage foi uma das experiências mais especiais que tive nesse começo de ano, um sucessor legítimo da franquia que colocou a Don’t Nod no mapa. Chegar ao dramático final da Tape 1 trouxe a promessa de mais: assim como nos tempos dos primeiros Life is Strange, o fandom teve um bom tempo para digerir os acontecimentos apresentados e criar as próprias teorias sobre a conclusão iminente.

Agora, tendo rolado créditos na Tape 2, tenho a impressão de que muito do que eu havia criado na minha cabeça era uma versão mais interessante do que o que recebemos. É hipérbole, mas o fato é que as soluções definitivas são mais mundanas do que pareciam — contudo, nada do que fez a Tape 1 tão especial exatamente se perde. São opiniões aparentemente opostas, mas eu explico:

Anteriormente em Velvet Cove…

Recomeçamos a partir de um certo evento, o começo do fim do verão de 1993: Swann, Nora, Autumn e Kat, as quatro integrantes da banda/grupo de amigas Bloom & Rage, são separadas à força por uma série de circunstâncias. A tensão, antes desenvolvida lentamente ao longo da primeira parte, chega de bate-pronto: quando controlamos a Swann adolescente, é possível sentir o que ela está sentindo — desespero, solidão, falta de rumo — com perfeita sintonia. 

Essa é a toada da Tape 2, que tem o título apropriado de “Rage”. Se antes estávamos construindo algo, aqui o destino chega com uma bola de demolição. O ritmo do enredo, como consequência, é bem mais rápido; com o perdão da palavra, é desgraça atrás de desgraça. Existe, contudo, um balanceamento cuidadoso do tom da narrativa, que impede a sensação de exagero. Nesse ínterim, a trilha sonora também age perfeitamente ao regular as emoções de cada cena.

A estrela do show é o sistema de escolhas. Trazendo de volta a comparação com Life is Strange, uma das maiores críticas dos fãs ao final do primeiro jogo é que ele se resume a duas opções: não importa qual for selecionada, várias escolhas anteriores se tornam completamente irrelevantes. Não é o que acontece aqui. Em Bloom & Rage, cada coisinha importa: por exemplo, existem nove jeitos de uma certa cena do clímax se desenrolar, todos dependendo de uma série de decisões que o jogo coleciona ao longo da história.

O design de narrativa também é muito mais recompensador. Em dado momento, precisamos ajudar uma amiga a encontrar as coisas que deixou espalhadas no cantinho secreto do grupo: essa é a hora de provar que a conhece bem, já que identificar alguns itens depende de ter prestado atenção à personagem na Tape 1. É também mais um dos inúmeros momentos que me fazem acreditar que essas são pessoas de verdade, com gostos e hábitos bem específicos.

Infelizmente, o final que consegui não foi dos mais interessantes. Talvez parte disso tenha sido influenciada pelas minhas escolhas, mas senti que mesmo a base dos acontecimentos não foi bem explorada, que o impacto emocional não chegou como deveria. É possível que minhas expectativas só tenham sido traídas, mesmo; afinal, eu esperava algo bem mais devastador e recebi algo que, além de tudo, me deixou com mais perguntas do que respostas. Talvez valha a pena rejogar e buscar um novo desfecho.

Problemas técnicos, problemas técnicos por toda parte

O que mais assola a Tape 2, contudo, é a parte “jogo” da experiência. Os segmentos de filmagem ainda são fantásticos, apesar de um pouco mais esparsos; essa parte não mudou muito. Também temos uma nova fase estilo “Tetris de inventário” que é divertidíssima (me orgulho de ter conseguido a conquista de speedrun de primeira). O problema começa a aparecer nela, a mais temida: a tela de stealth que todo jogo do gênero aventura insiste em enfiar na história a todo custo (apesar de ser bem integrada à história, neste caso).

Nessa sequência já relativamente infame, precisamos nos esgueirar por um jardim atrás de um certo objetivo. Até aí, tudo bem — o problema é que a IA do nosso homem-obstáculo tem visão biônica. Mesmo quando parece que dá para seguir com segurança, ele de repente percebe a presença da coitada da Swann e temos de fazer tudo de novo. 

Talvez este segmento da análise me coloque no famoso estereótipo de que jornalistas de games não são bons em jogos, mas senti uma séria injustiça. Pior ainda: como os trechos do passado são memórias que as amigas tentam reconstruir, falhar repetidamente faz com que sua interlocutora perca a paciência e desista de confrontar esse trauma. Entendo o propósito narrativo, mas me senti extremamente idiota quando fui impedida de conseguir um final melhor por um motivo tão besta. Elas não podiam simplesmente ter concordado que atravessaram o jardim sem problema e pular a fase? Precisava de tudo isso?

Quanto às falhas mais objetivas, por outro lado, todos os problemas que listei na análise da Tape 1 continuam em posição. Nada de registro de conversas (e as falas ainda se atravessam), nada de salvamento manual, a textura da blusa da Autumn segue sem conseguir renderizar a tempo. Tudo segue num estado complicado.

O Abismo chama

Lost Records: Bloom & Rage Tape 2 não fecha a história das quatro meninas de Velvet Cove do melhor jeito, mas os problemas deste encerramento não anulam a altíssima qualidade da narrativa e certamente não diminuem o esplendor da Tape 1. Mesmo aos trancos e barrancos às vezes, a soma das duas partes segue sendo um dos melhores jogos de aventura do ano.  

Prós

  • Escrita de personagens continua potente e realista;
  • Excelente uso da trilha sonora;
  • Escolhas têm peso maior e não são limitadas a um binário;
  • Design de narrativa recompensador, com bom sistema de diálogo.

Contras

  • Final pode ser anticlimático, dependendo das escolhas do jogador;
  • Certos novos elementos de gameplay são excessivamente punitivos;
  • Todos os problemas técnicos da Tape 1 seguem acontecendo.

Lost Records: Bloom & Rage Tape 2 — PC/PS5/XSX — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com atualização gratuita de cópia digital cedida pela Don’t Nod